Æternus ☩
Æternus ☩
June 18, 2025 at 11:08 PM
_*Filioque e a Trindade | Por: Davi Cavalcanti de Andrade*_ 1. Fundamentação Ontológica da Filioque A fé cristã professa um só Deus em três Pessoas realmente distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ora, tais distinções pessoais não se fundam em atributos ou essências diferentes — pois a essência é absolutamente una —, mas nas relações de origem: o Pai é inascível, o Filho é gerado, e o Espírito Santo procede. Primeiramente, se o Espírito Santo não procedesse do Filho, então entre ambos não haveria nenhuma relação de oposição, o que impediria que fossem pessoalmente distintos. A única maneira legítima de distinguir Pessoas divinas é por relações opostas de origem, pois tudo o mais (como atributos, vontade, poder, etc.) é comum à essência e, portanto, indiviso. Ora, o Filho é gerado do Pai, e o Espírito procede do Pai — se o Espírito não procede também do Filho, não há relação contrária entre ambos, e assim eles se confundiriam em uma só Pessoa. Isso anularia a Trindade e destruiria a fé cristã. Logo, a distinção real e pessoal entre o Filho e o Espírito exige que o Espírito proceda do Filho, como de um só princípio com o Pai. Em segundo lugar, a ordem interna de processões exige um princípio de ordem real entre o Filho e o Espírito Santo. A razão natural mostra que de um mesmo princípio não podem emanar dois efeitos simultâneos e desordenados, a não ser em coisas materiais — como uma faca sendo forjada e outra ao lado. Mas em Deus não há matéria nem multiplicidade acidental. Assim, se do Pai procedem o Filho e o Espírito Santo, é necessário que haja ordem de origem entre eles. Como não se pode dizer que o Filho procede do Espírito — o que a fé universal sempre rejeitou —, é necessário afirmar que o Espírito procede do Filho. Esta é a única forma de manter uma ordem inteligível e coerente com a simplicidade divina. Além disso, a própria estrutura da alma humana, feita à imagem de Deus, oferece uma analogia da processão trinitária. No homem, o pensamento gera o verbo interior (o "logos" mental), e deste verbo procede o amor, que é o movimento afetivo em direção ao conhecido. Assim, em Deus, o Pai conhece a si mesmo e gera o Verbo, o Filho, e desse conhecimento nasce o Amor, que é o Espírito Santo. Como não se ama o que não se conhece, é necessário que o Amor proceda do Verbo — ou seja, que o Espírito proceda do Filho. Essa processão é eterna, espiritual e pessoal, e constitui a terceira Pessoa divina. Por fim, a Sagrada Escritura, embora não contenha explicitamente a fórmula "o Espírito Santo procede do Filho", o insinua profundamente. Quando Cristo afirma: "Ele me glorificará, porque receberá do que é meu" (João 16,14), está claramente indicando que o Espírito recebe a substância e missão do próprio Filho, o que não pode se referir apenas a uma comunicação temporal, pois em Deus tudo o que é essencial é eterno. Além disso, é um princípio teológico claro que, exceto quando se trata de relações opostas (como Pai e Filho), tudo o que se atribui a uma Pessoa divina, também se atribui à outra. Assim, se o Espírito Santo procede do Pai, e o Pai comunica toda sua essência ao Filho, então essa mesma origem do Espírito pertence também ao Filho, a menos que se admita uma oposição — o que não ocorre entre Pai e Filho quanto ao Espírito. A processão do Espírito é uma única e simples espiração, procedente do Pai e do Filho como de um só princípio. Portanto, negar que o Espírito Santo procede do Filho é romper a unidade relacional que garante a distinção pessoal entre as Pessoas divinas, violar a ordem interna da Trindade, recusar a luz natural da analogia da alma racional e contradizer a harmonia implícita da Escritura. 2. Fundamentação Bíblica da Filioque E como se prova biblicamente o Filioque? Em João 15:26, Jesus diz que o Espírito Santo procede do Pai, mas, imediatamente, afirma que Ele mesmo enviará o Espírito. Isso indica que o Espírito tem sua origem no Pai, mas que o Filho também participa ativamente de seu envio. O Espírito está, portanto, ligado a ambos, e não apenas a um deles. Gálatas 4:6 reforça isso de maneira decisiva, pois Paulo fala do “Espírito do Filho” que é enviado aos corações dos crentes. Aqui, o Espírito é identificado como do Filho, o que significa que sua origem e presença não são exclusivas do Pai. Perceba que o Espírito Santo obteve vários nomes, como: Espírito (Gênesis 1:2; João 3:8), Espírito de Deus (Romanos 8:9; 1 Coríntios 2:11), Espírito do Senhor (Isaías 61:1; Lucas 4:18), Espírito da Verdade (João 14:17; João 16:13), Espírito da Vida (Romanos 8:2), Espírito de Adoção (Romanos 8:15), Espírito de Graça (Hebreus 10:29), Espírito de Glória (1 Pedro 4:14), Espírito Eterno (Hebreus 9:14), Consolador ou Paráclito (João 14:16; João 15:26), Espírito Santo (Mateus 28:19; Efésios 4:30). Perceba que, quando se refere a um dos membros da Trindade, o Espírito Santo tem relação de procedência. Ou seja, o Espírito, sim, procede do Pai, e é Espírito do Pai; porém, procede também de Cristo e é Espírito de Cristo (Romanos 8:9; Gálatas 4:6; João 20:22). Sendo Espírito de Cristo, também procede de Cristo! Assim como diz Agostinho de Hipona: "Por que, então, não deveríamos crer que o Espírito Santo procede também do Filho, quando Ele é o Espírito também do Filho? Pois, se o Espírito Santo não procedesse dele, quando se manifestou aos seus discípulos depois da ressurreição, não teria soprado sobre eles, dizendo: 'Recebei o Espírito Santo' [João 20:22]. Pois o que mais Ele quis dizer com esse sopro sobre eles, senão que o Espírito Santo também procede dele?" — Homilias sobre João 99:8 Em outro lugar, Agostinho de Hipona também escreve: “Alguém pode aqui indagar se o Espírito Santo procede também do Filho. Pois o Filho é Filho somente do Pai, e o Pai é Pai somente do Filho; mas o Espírito Santo não é o Espírito de um deles, mas de ambos. Você tem o próprio Senhor dizendo: ‘Porque não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós’ (Mateus 10:20), e você tem o apóstolo dizendo: ‘Deus enviou o Espírito de seu Filho aos vossos corações’ (Gálatas 4:6). Há, então, dois, um do Pai, o outro do Filho? Certamente que não. Pois há um só corpo, disse ele, ao se referir à Igreja; e logo acrescentou: ‘e um só Espírito’. E observe como ele compõe ali a Trindade: ‘Como sois chamados, diz ele, em uma só esperança da vossa vocação. Um só Senhor’, onde ele certamente queria que Cristo fosse entendido; mas restava que ele também nomeasse o Pai; e, consequentemente, segue-se: ‘Uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, e por todos, e em todos vós’ (Efésios 4:4-6). E visto que, então, assim como há um só Pai, e um só Senhor, a saber, o Filho, assim também há um só Espírito; Ele é, sem dúvida, de ambos: especialmente como o próprio Cristo Jesus diz: ‘O Espírito do vosso Pai que habita em vós’; e o apóstolo declara: ‘Deus enviou o Espírito de seu Filho aos vossos corações’. Você tem o mesmo apóstolo dizendo em outro lugar: ‘Mas se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós’, onde ele certamente pretendia que o Espírito do Pai fosse entendido; de quem, no entanto, ele diz em outro lugar: ‘Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele’. E muitos outros testemunhos existem, que mostram claramente que Ele, que na Trindade é denominado o Espírito Santo, é o Espírito tanto do Pai quanto do Filho.” — Tratado Sobre João 99:6 3. A antiguidade a favor da Filioque São Tertuliano escreve: “Creio que o Espírito não procede de outra forma senão do Pai através do Filho” (Contra Práxeas 4:1). Observemos que, numa união ontológica, o Espírito não pode ser gerado de nenhuma entidade trinitária ao não ser do Pai e do Filho, porque o Espírito tem relação intrínseca, sendo o "Espírito de Deus (Pai)" (1 Coríntios 2:11; Romanos 8:9), e o "Espírito do Filho" (Gálatas 4:6; Romanos 8:9). Que relação teria o Filho com o Espírito se não fosse gerador do Espírito? Que relação intrínseca haveria? Da mesma forma que procede do Pai, como é dito que é Espírito de Deus Pai, também é dito explicitamente que é o Espírito do Filho. Espírito do Filho, ou seja, se é Espírito do Filho, vem, procede do Filho. Há uma relação intrínseca do Filho e do Espírito. Se eu digo "Areia da Terra", é porque essa areia procede da terra, tem sido gerada da terra, assim como diz "Espírito de Deus (Pai)", sabemos que Espírito é de (procede de, 'do') Deus Pai (João 15:26). A relação é intrínseca e prova que a geração que é extrínseca espiritual é real, o que se relaciona ontologicamente é a geração. Quero deixar um trecho do artigo do apologista Rafael Rodrigues para resumir de forma clara tudo o que eu pretendia abordar. Depois disso, compartilharei algumas citações dos Pais da Igreja que defendem a Filioque para consulta: "O símbolo niceno-constantinopolitano havia definido que o Espírito Santo procede do Pai (D. 86). Que procede ao mesmo tempo do Pai e do Filho o testifica o símbolo atanasiano (D. 89), o undécimo Concílio de Toledo (D. 277), o quarto Concílio de Latrão (D. 428), o segundo Concílio de Lyon (D. 460), o Concílio de Florença (D. 691). (…) O texto do Concílio de Lyon tem o seguinte teor (D. 460): “Com obediência crente confessamos: O Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho, não como se procedesse de duas origens, mas como de uma origem única; não em duas espirações, mas em uma espiração. Esta tem sido até agora a fé, a anunciação e o ensinamento da santa Igreja Romana, Madre e Mestra de todo os crentes. Isto manterá firmemente, anunciará, confessará e ensinará no futuro. Isto é também a verdadeira e imutável convicação dos Padres e Mestres ortodoxos, tanto latinos quanto gregos. Mas, no entanto, algum tem incorrido em diversos erros, por desconhecimento da verdade imutável, nós, movidos pelos desejo de impedir a propagação de tais erros, com a aprovação da santa Assembleia eclesiástica, pronunciamos a condenação e anatematização dos que se atrevem a negar que o Espírito Santo procede do Pais e do Filho, ou com ânimo temerário afirmam que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de dois princípios e não como de um só princípio.” A doutrina apresentada aos “Gregos” pelo Concílio de Florença na Bula Laetentur Coeli, de 6 de julho do ano de 1439, tem o seguinte teor no que concede a procedência do Espírito Santo: “O nome da Santíssima Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo: definimos com a aprovação de toda esta Assembleia eclesiástica: Todos os cristãos tem que afirmar, aceitar e confessar assim a verdade de fé segundo a qual o Espírito Santo é eternamente do Pai e do Filho, recebendo sua essência e sua personalidade (subsistência), ao mesmo tempo, do Pai e do Filho, procedendo eternamente dos dois como de um só princípio em uma só espiração. unigênito, mediante a geração, exceto a Paternidade, por isso o Filho recebeu desde toda eternidade do Pai, pelo qual é gerado eternamente, a propriedade de que o Espírito Santo proceda Dele. O símbolo niceno-constantinopolitano testifica somente que o Espírito Santo procede do Pai e não diz nada de que procede também do Filho; a razão disso está na finalidade polêmica dessa confissão de fé. Foi dirigida contra a heresia de Macedonio, que afirmava que o Espírito Santo não é um Deus verdadeiro. Portanto, não era necessário definir que o Espírito Santo também procede do Filho. Mais tarde se intercalou no símbolo a fórmula filioque. Deste modo, o símbolo não foi destituído de seu significado original. A intercalação está em correspondência com a orientação do contexto original. Aconteceu na Espanha, no século VI. Dá testemunho dela o terceiro Concílio de Toledo, celebrado no ano 589. Segundo os documentos, o filioque se encontra entre os francos no século IX. No ano de 808 os monges gregos acusaram de heresia aos monges do monastério franco erigido sobre o Monte das Oliveiras, em Jerusalém, por cantar no Credo o filioque. O Papa Leão III declarou que a doutrina segundo a qual o Espírito Santo procede do Filho, deveria ser objeto da pregação, mas que não era necessário introduzir no Credo a fórmula filioque. Não obstante, a mando do Imperador Enrique II, o Papa Bento VIII também introduziu em Roma a fórmula filioque, no ano 1041, no símbolo. O Patriarca grego Fócio (m. 1078) converteu a doutrina de que o Espírito Santo procede só do pai em dogma principal da Igreja grega, cimentado desta maneira com especulações dogmáticas a separação da Igreja Oriental, separação fundadas antes de tudo em motivos políticos-eclesiásticos. No que concerne a obrigação de crer que o Espírito procede também do Filho tem validez a definição dogmática do Papa Bento XIV do ano 1742 (Bula Etsi pastoralis): “Apesar de que os gregos estão obrigados a crer que o Espírito Santo procede também do Filho, não tem obrigação de confessá-lo no símbolo. Não obstante, os albaneses do rito grego adotaram louvavelmente o costume contrário. Nosso desejo é que seja mantido pelos albaneses e por outras Igrejas onde está em vigor.” a) A Sagrada Escritura não ensina formalmente em nenhuma parte que o Espírito Santo procede também do Filho. Mas contém objetivamente este fato. Io. 15, 26 testifica que o Espírito Santo procede do Pai. O mesmo que se diz sobre que a terceira Pessoa é Espírito do Pai (Mt 10, 20), também se diz que é Espírito de Jesus (At. 16, 7), Espírito de Cristo (Rm. 8, 0; Phil. 1, 19). Segundo a doutrina de São João, entre o Espírito Santo e o Filho está a mesma relação que há entre o Filho e o Pai (lo. 6, 46; 7, 16; 8, 26-38; 12, 49; 15, 26; 16, 4; 17, 4; 18, 37). O Filho dá testemunho do Pai, o Espírito Santo dá testemunho do Filho; o Filho glorifica ao Pai, o Espírito Santo glorifica o Filho; o Filho fala o que ouve do Pai e ve Nele, o Espírito Santo fala o que ouve do Filho (lo. 16, 13-15). Quando a Escritura afirma (Io. 15, 26) que o Espírito Santo procede do Pai, convém não entender isto em um sentido exclusivo. Significa na verdade que é do Pai tudo o que tem o Filho; por conseguinte, também a espiração. b) Havendo sido obrigados, devido as heresias, a concentrar seus esforços teológicos em torno à interpretação da relação entre o Pai e o Filho, os Padres da época pré-nicena não puderam explicar teológica e detalhadamente a doutrina da Revelação relativa ao Espírito Santo. Eles se contentam em repetir os textos sagrados que se referem ao Espírito Santo. Materialmente, embora não formalmente, encontramos a doutrina de que o Espírito Santo também procede do Filho na Teologia alexandrina. Orígenes, por exemplo, afirma que o Espírito Santo deve sua existência ao Filho. Ensinamentos parecidos encontramos em Santo Atanásio. Porém, tampouco este afirma formalmente que o Espírito Santo procede também do Filho. Não obstante, expressa-se de tal modo da procedência do Espírito Santo, que não poderia compreender o que expõe se não estivesse convencido de que o Espírito Santo procede também do Filho. Por exemplo, no discurso contra os arianos (Discurso III; núm. 24; BKV, I, 274-276) declara o seguinte: “O (isto é, São João em sua primeira epístola) nos ensina de que modo nós estamos em Deus e Deus em nós, e como nós chegamos a ser um neles e até que grau o Filho é distinto de nós segundo a natureza… Devido a graça do Espírito Santo que nos foi concedida, nós estamos Nele e Ele está em nós. E posto que é o Espírito Santo de Deus, por isso cremos com razão que estando Ele em nós, também nós, por possuir o Espírito, estamos em Deus e que Deus, por conseguinte, está em nós. Nós não estamos no Pai do mesmo modo que o Filho não está Nele. Porque o Filho não participa no Espírito para poder estar em Deus, e tampouco recebe o Espírito Santo, antes, o Filho comunica a todos o Espírito. Ademais, o Espírito não une ao Verbo com o Pai, na verdade, o Espírito recebe algo do Verbo. E o Filho está no Pai a modo de Palavra e Resplendor seu, enquanto que nós, sem o Espírito, estamos longe de Deus e somos alheios a Ele. Mas mediante a participação no Espírito somos unidos com a Divindade, de tal modo que nosso estar em Deus não é propriedade nossa, mas que a devemos ao Espírito que é e permanece em nós. E isto é só enquanto nós o trazemos em nós mesmos mediante a confissão… Onde, então, está nossa semelhança e nossa igualdade com o Filho? Ou não está demonstrado irrefutavelmente contra os arianos, devendo nomear especialmente os ensinamentos de São João, que o Filho não está no Pai do mesmo modo que nós estamos Nele, e que nós não chegaremos nunca a ser tal como é Ele, nem o Verbo é tal como nós somos? Como sempre deveriam se atrever agora também a afirmar que o Filho deve sua existência no Pai a participação no Espírito e ao perfeccionamento de sua vida. Mas mesmo o pensamento de tal afirmação seria mais do que uma blasfêmia. Como já temos dito, é Ele o que dá ao Espírito, e tudo o que o Espírito tem, recebeu do Verbo” Na terceira carta a Separión declara Santo Atanásio (n.° 1; BKV, I, 462 y segs.): “Você ficará admirado talvez ao ver que o Espírito, explicando com breves palavras o mesmo objeto, eu abandono o tema proposto e escrevo contra os que pecam contra o Filho de Deus, dizendo que é uma criatura. Mas estou convencido de que não me repreenderás quando descobrir os motivos que me movem a fazê-lo, mas a sua piedade aprovará meu comportamento quando reconhecer a utilidade de meu modo de proceder. Porque o Senhor mesmo nos disse: O Consolador não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, pois receberá do que é meu e vos anunciará. O Senhor comunicou o Espírito aos Discípulos mediante um sopro, e do mesmo modo, segundo as palavras da Escritura, o Pai derramou o Espírito sobre toda carne. Por isso, acertadamente tenho falado e escrito em primeiro lugar do Filho, para que por meio do conhecimento do Filho cheguemos a obter o devido conhecimento do Espírito. Por que como vamos ver, a mesma relação peculiar que media entre o Pai e o Filho, media também entre o Espírito e o Filho. E do mesmo modo que o Filho disse: Tudo o que tem o Pai é meu, assim também veremos que tudo isto está no Espírito mediante o Filho. E do mesmo modo que o Pai faz alusão ao Filho quando disse: Este é meu Filho querido no qual ponho minha complacência, assim também o Espírito Santo pertence ao Filho. Porque como disse o Apóstolo, Ele tem enviado a nossos corações o Espírito de seu Filho, o qual clama: Abba, Pai. E se deve ter muito em conta o que o Filho disse: O que é meu, é do Pai: do mesmo modo, o Espírito Santo de quem se afirmou de que é propriedade do Filho, é também propriedade do Pai. E Paulo escreve: “Ninguém conhece a essência do homem, se não o Espírito do homem, que habita nele; do mesmo modo ninguém conhece a essência de Deus, exceto o Espírito de Deus, o qual está Nele. Desse modo, nós não temos recebido o espírito do mundo, mas o Espírito de Deus, para que possamos conhecer os dons que Deus nos tem dispersado. E em toda a Escritura encontrará que se diz do Espírito Santo que é Espírito do Filho e que é também Espírito do Pai.Sobre este ponto já tinha escrito antes. Desse modo, se o Filho não é uma criatura a causa da relação especial em que está a respeito ao Pai e por ser uma produção da essência do mesmo Pai, mas que é consubstancial com o Pai, então também tampouco o Espírito Santo será uma criatura. Assim, deverá ser chamado ímpio o que emite tal afirmação em vista da relação especial que há entre o Espírito e o Filho, já que o Espírito é comunicado a todos pelo Filho, e porque é do Filho tudo o que o Espírito tem.” Na primeira carta a Serapión declara Santo Atanásio (n.° 21; BKV, 432 e segs.): “Uma vez que o Espírito possui em relação ao Filho a mesma classe e a mesma natureza que possui o Filho em relação ao Pai, como não deverás pensar que o Filho é uma o que afirma que o Espírito é uma criatura?” A mesma doutrina encontramos entre os capadócios. São Basílio, por exemplo, afirma que o Espírito Santo procede do Pai através do Filho. Este escritor rechaça a opinião de Enomio, o qual afirmava que o Pai é a única origem do Espírito Santo. Ao contrário, tudo é comum ao Pai e ao Filho, e do Espírito Santo se disse na Escritura que não é só Espírito do Pai, mas também Espírito do Filho (Contra Eunomium, 2, 34; 3,1; De Spiritu Sancto, 18, 45; Enchiridion Patristicum, 950). Segundo São Gregório de Nissa, um é a causa e o outro é da causa, e em relação ao que é da causa percebemos uma distinção: Deveras, um é diretamente (imediatamente) do primeiro; o outro é indiretamente (mediantamente) mediante o que é diretamente do primeiro (Enchiridion Patristicum, 1.037 e segs.). Segundo São Gregório, o Espírito Santo procede diretamente (imediatamente) do Filho, e indiretamente (mediatamente) do Pai. São Epifânio emprega em sua obra Ancoratus uma fórmula segundo a qual o Espírito Santo procede da essência do Pai e do Filho; respectivamente do Pai e do Filho. Na teologia ocidental, Tertualiano (Adv. Praxeas, 4) disse que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, e que não vem de nenhuma outra parte. São Hilário(De Trinitate, 2, 29) ensina que o Pai e o Filho são o fundamento da existência do Espírito Santo. A doutrina ocidental está plenamente desenvolvida em Santo Agostinho, o qual afirma que o Espírito Santo procede de amboss (de, respectivamente, ab utroque, não filioque). Segue-lhe toda a Teologia ocidental. Como já temos dito em outra parte, a fórmula filioque parece ter sua origem na Espanha. A doutrina agostiana-ocidental se diferencia em algo da doutrina grega ortodoxa. Segundo o ponto de vista grego, a tripersonalidade surge no Pai, passa ao Filho e através do Filho vai ao Espírito Santo. O Filho desempenha um papel de um mediador que intervem ativamente (a Paire per Filium). O movimento vital dentro da divindade poderia se comparar com o de uma linha. Segundo a concepção latina, o Pai e o Filho produzem por espiração ao Espírito Santo, a modo de princípio único, tendo lugar a espiração logicamente depois da geração do Filho e da conseguinte comunicação da capacidade de espiração. Contudo, Santo Agostinho tem em conta a concepção grega quando a propósito afirma que o Pai espira primordialmente (principaliter) ao Espírito Santo. Na concepção grega aparece com mais claridade que o Filho recebe do Pai toda seu ser pessoal, o qual implica em si também a espiração do Espírito Santo. A concepção latina põe em releve que o Pai e o Filho produzem ao Espírito Santo em um só ato." — https://apologistascatolicos.com.br/pais-da-igreja-e-a-questao-de-filioque/ A seguir, apresento algumas citações patrísticas para ampliar o conhecimento já adquirido: Orígenes escreve: “Cremos, porém, que há três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e cremos que ninguém é não-gerado, exceto o Pai. Admitimos, como mais piedosos e verdadeiros, que todas as coisas foram produzidas por meio do Verbo, e que o Espírito Santo é o mais excelente e o primeiro em ordem de tudo o que foi produzido pelo Pai por meio de Cristo” (Comentários sobre João 2:6). Gregório, o Milagroso, destaca que “[Há] um só Espírito Santo, tendo substância de Deus, e que se manifesta através do Filho; imagem do Filho, perfeito dos perfeitos; vida, a causa do viver; fonte santa; santidade, o dispensador da santificação; em quem se manifesta Deus Pai, que está acima de tudo e em todos, e Deus Filho, que está por meio de todos. Trindade perfeita, em glória, eternidade e soberania, nem dividida nem alienada” (Confissão de Fé). Hilário de Poitiers afirma que “a respeito do Espírito Santo... não é necessário falar daquele que deve ser reconhecido, que é do Pai e do Filho, suas fontes” (A Trindade 2:29), e ainda explica: “Se, antes dos tempos eternos, o teu Filho unigênito nasceu de ti, quando acabamos com toda ambiguidade de palavras e dificuldade de compreensão, resta apenas isto: ele nasceu. Assim também, mesmo que eu não o compreenda totalmente, apego-me firmemente em minha consciência ao fato de que o teu Espírito Santo procede de ti por meio dele” (ibid., 12:56). Dídimo, o Cego, explica que “como entendemos as discussões... sobre as naturezas incorpóreas, também agora se deve reconhecer que o Espírito Santo recebe do Filho aquilo que Ele era de Sua própria natureza... Assim também se diz que o Filho recebe do Pai aquilo mesmo pelo qual subsiste. Pois nem o Filho tem outra coisa senão as coisas que lhe foram dadas pelo Pai, nem o Espírito Santo tem qualquer outra substância além daquela que lhe foi dada pelo Filho” (O Espírito Santo 37). Epifânio de Salamina declara que “o Pai sempre existiu e o Filho sempre existiu, e o Espírito respira do Pai e do Filho” (The Man Well-Anchored 75). Basílio, o Grande, afirma que “por meio do Filho, que é um, ele [o Espírito Santo] se une ao Pai, que é um, e por si mesmo completa a Santíssima Trindade” (O Espírito Santo 18:45), acrescentando que “[a] bondade da natureza [divina], a santidade [dessa] natureza e a dignidade real estendem-se do Pai, através do [Filho] unigênito, até o Espírito Santo. Já que confessamos as pessoas dessa maneira, não há violação do sagrado dogma da monarquia” (ibid., 18:47). Ambrósio de Milão escreve que “assim como o Pai é a fonte da vida, também muitos têm afirmado que o Filho é designado como a fonte da vida. Diz-se, por exemplo, que contigo, Deus Todo-Poderoso, teu Filho é a fonte da vida, isto é, a fonte do Espírito Santo” (O Espírito Santo 1:15:152), e que “o Espírito Santo, quando procede do Pai e do Filho, não se separa do Pai e não se separa do Filho” (ibid., 1:2:120). Gregório de Nissa esclarece que “[o] Pai transmite a noção de inoriginado, não gerado e Pai para sempre; o Filho unigênito é compreendido juntamente com o Pai, vindo dele, mas inseparavelmente unido a ele. Através do Filho e com o Pai, imediatamente e antes que qualquer conceito vago e infundado se interponha entre eles, o Espírito Santo também é percebido conjuntamente” (Contra Eunômio 1). O Credo Atanasiano ensina: “[n]ós veneramos um Deus na Trindade, e a Trindade em unidade... O Pai não foi feito, nem criado, nem gerado por ninguém. O Filho é do Pai somente, não feito, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo é do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem gerado, mas procedente” (Credo de Atanásio). Agostinho afirma que “[é] preciso confessar que o Pai e o Filho são o princípio do Espírito Santo, não dois princípios, mas assim como o Pai e o Filho são um só Deus... em relação ao Espírito Santo, eles são um só princípio” (A Trindade 5:14:15). E explica que “[aquele] de quem principalmente procede o Espírito Santo é chamado Deus Pai. Acrescentei o termo 'principalmente' porque se verifica que o Espírito Santo também procede do Filho” (ibid., 15:17:29). Ainda, indaga: “Por que, então, não deveríamos crer que o Espírito Santo procede também do Filho, quando Ele é o Espírito também do Filho? Pois, se o Espírito Santo não procedesse dele, quando se manifestou aos seus discípulos depois da ressurreição, não teria soprado sobre eles, dizendo: 'Recebei o Espírito Santo' (João 20:22). Pois o que mais Ele quis dizer com esse sopro sobre eles, senão que o Espírito Santo também procede dele?” (Homilias sobre João 99:8). Cirilo de Alexandria afirma que “uma vez que o Espírito Santo, quando está em nós, efetua a nossa conformação a Deus, e ele realmente procede do Pai e do Filho, é abundantemente claro que ele é da essência divina, está nela em essência e procede dela” (Tesouro da Santíssima Trindade, tese 34), e afirma ainda que “[o] Espírito Santo flui do Pai no Filho”. No Primeiro Concílio de Toledo, é declarado: “Cremos em um só Deus verdadeiro, Pai e Filho e Espírito Santo, criador do visível e do invisível... O Espírito é também o Paráclito, que não é nem o Pai nem o Filho, mas procede do Pai e do Filho. Portanto, o Pai é não gerado, o Filho é gerado, o Paráclito não é gerado, mas procede do Pai e do Filho”. Fulgêncio de Ruspe exorta: “Segure firmemente e nunca duvide de forma alguma que o único Deus Filho, que é uma pessoa da Trindade, é o Filho do único Deus Pai; mas o próprio Espírito Santo, também uma pessoa da Trindade, é Espírito não somente do Pai, mas do Pai e do Filho juntos” (A Regra de Fé 53), e afirma: “Segure com firmeza e nunca duvide de que o mesmo Espírito Santo, que é Espírito do Pai e do Filho, procede do Pai e do Filho” (ibid., 54). João Damasceno assevera: “Da mesma forma, cremos também em um só Espírito Santo, Senhor e doador da vida... em todas as coisas, semelhante ao Pai e ao Filho; procedente do Pai e comunicado através do Filho” (Exposição da Fé Ortodoxa 8). Acrescenta que “o Espírito Santo é o poder do Pai que revela os mistérios ocultos da sua divindade, procedendo do Pai através do Filho de uma maneira que ele conhece, mas diferente daquela da geração” (ibid., 12), e declara ainda: “Digo que Deus é sempre Pai, pois tem sempre o seu Verbo [o Filho] vindo de si mesmo e, através do seu Verbo, o Espírito que dele procede” (Diálogo Contra os Maniqueus 5). Máximo, o Confessor, ensina que “por natureza, o Espírito Santo, em seu ser, toma substancialmente sua origem do Pai por meio do Filho que é gerado” (Questões a Thalassium 63). No Concílio de Niceia II, professa-se: “Cremos no Espírito Santo, Senhor e doador da vida, procedente do Pai por meio do Filho” (Profissão de Fé).

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