
pratica_filosofica - Boletim mais ou menos diário
February 3, 2025 at 11:53 PM
*sobre lattes em humanidades que não mordem*
O problema do "especialista" é atualizar a função ideológica da academia, reproduzindo-se como falatório inócuo e alienação aos tempos presentes aos que eventualmente, as tais crianças 'insubmissas' do post anterior, busquem de fato algum letramento político, cultural, econômico, lógico-matemático, digital, cinestésico ou qualquer outra modalidade de letramento.
A dinâmica imposta pelos parâmetros de concessão de bolsas, as pautas "financiáveis" impostas pelas agências de fomento à pesquisa, o ritmo insano de indicadores a serem atingidos, além da obrigação de participação na gestão cotidiana _(se membro do corpo discente, sequer remunerado)_ dessas máquinas de moer o pensar, o pensado e o pensável acaba por asfixiar o "especialista" sob vanidades diversas, etiquetadas com diferentes "tags".
Os mais críticos, aqueles com pretensão de estarem a falar do presente em que vivem, caso se recusem a secretar fraseologia endereçada à humanidade e a choverem gotas de sabedoria do alto da cucolândia inundada por nuvens não necessariamente férteis nem consistentes, precisam então operar em dupla jornada, visando separar em seus objetos, atividades e intervenções um duplo tempo histórico.
Como alçar para além do dever de casa básico, o de cumprir com suas obrigações estatutárias e acadêmicas sem as quais desaparece na irrelevância da proscrição de fato no dia-a-dia universitário e se vê reduzido a objeto de chacota, desdém e indiferença pelos colegas na/concorrentes da grande empresa Universidade S&A?
Por um lado, reconhecer o que há de importante lá no contexto e época dos sujeitos e objetos que trabalha, explicitar em suas pesquisas como contribuíram para mudanças materiais, concretas, culturais e no mundo das ideias e letras de seu tempo e no devir para além dele (o que é feito por Paulo Eduardo Arantes nos ensaios reunidos em "Ressentimento da Dialética", postado na íntegra aqui: https://sentimentodadialetica.org/dialetica/catalog/book/159), quais seriam essas mudanças operadas, e tudo isso com uma pesquisa que não se limite a repor manifestações discursivas registradas em documentos como se a dobradinha "poder e saber" fossem a mesma coisa, falácia estruturalista em que chafurdam as humanidades a quase cem anos, positivada como dogma intelectual-militante, por exemplo, com as pesquisas de Foucault desde seu discurso inaugural no Collège de France (me inspiro aqui num dos muitos passos argumentativos expostos por Leda Tenório da Motta, https://aterraeredonda.com.br/o-engano-do-itodes-i/, em texto cuja leitura atenta nos desasna de tal maneira que só mesmo tu lendo para tu ter dimensão do alcance teórico do desmanche geral da relação da "linguagem sobre a linguagem" trazido pelo argumento desenvolvido).
Superado esse engano, quais são as mutações que tais mudanças teceram no mundo vasto mundo em que se deram?
Por outro lado, tal demarcação obriga o especialista a sair do calmo pasto em que se alimenta o gado que é sua pesquisa particular sobre um tempo, espaço e sujeitos particulares, e o obrigaria a se colocar, como agente e ser social coletivo, em busca do que falta ser dito, conhecido, pesquisado e mudado na própria época em que vive visando um futuro a ser sonhado.
Aí são outros quinhentos e a cobra vai fumar: ninguém sabe muito bem como dar esse passo, e não poucos transicionam-se em ongueiros, militantes políticos ou meros ideólogos de organizações paraestatais se muito antissistêmicas, e não é raro décadas depois se descobrir grana da CIA _(USAID é um de seus tentáculos)_ a financiar tais atividades por intermédio de fundações de apoio a militantes, "sociedade civil" ou "atores" ou "artistas" ou "centros de pesquisa" ou "movimentos sociais" devidamente empoderados e visibilizados mundo afora.
Certos raros grupos de estudo de jovens pesquisadores podem, a longo prazo, efetuar essa sondagem, construção, tateios.
A maioria dos velhos pesquisadores ou está corrompida pela Máquina do Mundo _(cf. poema homônimo do Drummond)_, entre boletos, filhos para criar e financiamentos por pagar, ou fenece entre esquecidos náufragos que perecem pelo caminho de diferentes maneiras, ou apenas "adere" a sabe-se lá o quê em busca de uma velhice sem solavancos, todos a tratarem como descartáveis o tatear que duvida, o dissenso, o dizer 'não'.
"A luta continua"
❤️
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