pratica_filosofica - Boletim mais ou menos diário
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February 18, 2025 at 03:27 PM
*Porque os preços do ouro deviam subir – mas não sobem* *– Por que o preço do ouro tem aumentado tão rapidamente, batendo recordes?*, uma entrevista com Michael Hudson. antes de mais nada, um adendo: é um autor ligado à Teoria Monetária Moderna (MMT), e o que ele diz dela joga por terra pretensões de brasileiros de ex-querda de liberar impressão de real para fazer caixa e produzir superávits ficais etc. E sabe o porquê? Porque só vale para "moeda fiduciária" lastreada em si mesma, ou seja, para o dólar. O que vamos descobrir nesse post é que a "maquininha de fazer dinheiro" que permitiu certa vez, e por décadas, a "América grande lá no outrora", não é bem o que nos ensinaram na escola. E que o fim do padrão-ouro não foi o "liberou geral" que desde então "parece" ser a regra. É um texto de 19 páginas, em formato de entrevista, nada muito complicado de acompanhar. A certeza que fica: *a casa tá caindo*, a incerteza não é sobre o "se", o seu como também está dado, e é sobre ele que a entrevista se detém mais tempo, e o que resta por definir, tarefa do "mundo e economia reais", é o "quando". O economista Michael Hudson trata do papel do ouro no sistema financeiro internacional, especialmente nos últimos 70 anos, sob dominância dos Estados Unidos, sobretudo por conta dos ajustes institucionais de governança monetária global no pós-IIGM. Não foram os belos, vamos dizer, olhos da Marilyn Monroe, nem o gel no cabelo do Kennedy, e sim o ouro que foram alavanca de poder pelo qual os EUA se impuseram sobre o resto do planeta. Ouro cotado de 1933 até fim do padrão-ouro em 35 dólares por onça, tendo-se de pagar 25% do valor do papel-moeda em ouro caso portador assim o desejasse. Pois bem: há um mecanismo que aparentemente vigorou nesses anos 70, que era considerar uma paridade imaginária dólar-ouro, ouro como "reserva" a subir ou descer em alinhamento com a inflação na economia real. Tem mais: desde 1971, EUA + Inglaterra fazem dobradinha para manter o preço do ouro lá embaixo. A citação a seguir é longa, mas é melhor do que resumido: Depois de 1971", _O preço do ouro subiu muito rapidamente para cerca de 700, 800 dólares por onça. Depois, finalmente, em meados da década de 2010, para os 1200, 1400 dólares, subindo gradualmente_ (...) _Quando temos momentos de altas taxas de inflação – por exemplo, após a pandemia de Covid, quando a economia reabriu em 2022, a inflação dos preços ao consumidor foi muito alta nos Estados Unidos e em muitos países, devido às interrupções na cadeia de abastecimento._ _Assim, à medida que a inflação aumentava em 2022, podia ver-se que, em outubro, o preço do ouro rondava os 1 600 dólares, tendo aumentado substancialmente para quase 2 000 dólares na primavera de 2023._ _O que aconteceu depois foi que, no início de 2023, a inflação atingiu o seu pico e o preço do ouro desceu, à medida que a inflação descia, porque é obviamente visto como uma proteção contra a inflação, pelo que faz sentido que tendam a mover-se em conjunto._ _No entanto, aconteceu algo muito estranho. Em outubro de 2023, o preço do ouro atingiu um mínimo de cerca de 1 850 dólares e, desde então, a inflação dos preços no consumidor tem continuado a cair. Mas essa relação quebrou-se e, em vez disso, o preço do ouro disparou mais mil dólares para cerca de 2 900 dólares._ Ou seja: descolou. E de tal modo que subiu mil dólares em menos de quatro meses. Eis que o mecanismo de compra de títulos do Tesouro dos EUA por outros países deixou de ser "a via natural" do rebanho global tangido pelos movimentos especulativos EUA+ING no mercado de aluguel de ouro. Os realinhamentos geopolíticos e econômicos estão permitindo surgir a suspeita: e se os cofres ingleses e estadunidenses simplesmente não tiverem o ouro que alegam ter, e que ninguém, sequer um senador dos EUA libertário de ultradireita, Ron Paul, é permitido "constatar in loco que existe"? Assim, o cenário de manipulação do preço do ouro pelos bancos centrais, especialmente pelos EUA e Reino Unido, com suas vendas a descoberto e leasing de ouro, visando impor e manter um preço artificialmente baixo, tendo por meta garantir a hegemonia do dólar nas trocas internacionais *pode estar com os dias contados?* Uma geringonça econômica permitiu aos EUA o controle do sistema financeiro global até 197i. Antes, o aumento das despesas militares desse Império das Guerras Eternas, na época, a do Vietnã, forçou o déficit da balança de pagamentos e a fuga de ouro para outros países, como a França a exigir conversão de dólares em ouro. Que faz os EUA, então sob Nixon, em 1971? Abandona o padrão-ouro, torna o dólar uma moeda fiduciária, isso é, não lastreada em ouro, e isso permite ao "único devedor em dólar que pode imprimir dólar" a "dever mais dólar ainda e então imprimir mais ainda" (as aspas são apenas para você não se perder na leitura), dólar cheirando a tinta de impressora sendo usado em negociações empurrando o preço do ouro físico, do mundo real, o refúgio de toda riqueza concreta por três mil anos, para baixo. Esse ardil leva demais Bancos Centrais a acumularem dólares e títulos do Tesouro dos EUA como reservas, em vez de ouro. E impede países periféricos de realizarem políticas públicas anticíclicas porque estavam literalmente morando dentro do bolso de quem imprima dólar para poderem "reduzirem suas dívidas", eternas. Essa aliás é segunda coisa eterna nesse texto, a primeira as guerras sem fim dos EUA contra o resto do mundo. Que, sob Trump terá como objeto as que os EUA podem ganhar, claro, que é contra anões geopolíticos que fazem as vezes de seus cães de guarda mundo afora: U.E., Japão, Austrália, Canadá, América Latina, Coréia do Sul. Temos mais gente comprando ouro, tem sobretudo China, Rússia, membros dos BRICS, aumentando reservas de ouro ao mesmo tempo em que aumentam negócios em suas próprias moedas, em lenta desdolarização do comércio mundial. Para concluir: *tem uma manipulação do preço do ouro que não tá conseguindo mais cumprir seu papel*. Hudson mostra que EUA e Reino Unido manipularam por décadas o preço do ouro através de vendas a descoberto e leasing de ouro, visando manter o preço artificialmente baixo. Mostra que isso não é algo que se ensine nas escolas, pois implica falar coisas de política que se evita explicitar: que esse ardil é o estratagema que sustenta a confiança no dólar pelo qual os EUA sugam a riqueza do mundo para que possam financiar seus déficits, ardil que também evita que o ouro se torne alternativa viável como parâmetro de valoração da riqueza (e o foi nos últimos três mil anos). O que a entrevista traz de novidade é que a procura, em especial por parte de Bancos Centrais e grandes investidores privados, por ouro cresce e muito. Primeiro sem alterações nas cotações por conta do estratagema citado linhas acima. Mas de uns meses para cá pressiona o preço para cima, e não foi pouco, mil dólares em cinco meses. E se todo mundo que tenha o papel "esse x dólar vale y em ouro" quiser ter o ouro em mãos? A suspeita, até algo jocosa mas para apontar o quão frágil está o atual arranjo da manipulação do preço do ouro tantas décadas após a entrada em cena de seu aluguel a preços baixos, é que a demanda indiana é que vá "romper' a casca do ovo. _Poderão ser joalheiros indianos. A Índia costumava ser chamada de “sumidouro do ouro”, porque, enquanto a maior parte do Ocidente e a China operavam no padrão prata, a Índia sempre se concentrou no ouro. Por isso, tem sido um dos principais compradores de ouro do sector privado._ _Muito do ouro é guardado em negociantes de ouro, ou Singapura é um local, um país que oferece guarda para as pessoas que querem guardar lá. Por isso, é possível reclamar a um banco ou negociante de Singapura, ou a um banco suíço que detenha ouro._ _E parte-se do princípio de que esse banco tem realmente o ouro e não está a funcionar apenas com base em reservas fraccionárias._ O artigo especula três soluções ante a possibilidade de simplesmente não existir mais esse ouro no Fort Knox: *solução 1* _Uma solução para os bancos centrais seria tentarem substituir os investimentos monetários tangíveis, dizendo simplesmente: “Bem, vamos desmonetizar o ouro. Já não precisamos de ouro. Desmonetizámo-lo em 1971. Mantivemo-lo nos livros. Mas agora não precisamos de ouro. Agora somos um sistema eletrónico, de inteligência artificial. Por isso, vamos adotar um sistema de contabilidade blockchain e esquecer o ouro; ele já não conta. Puf! Vamos pagar-vos o dinheiro que pagaram para obter o vosso ouro, e não é o dinheiro tão bom como o ouro? O crédito em papel que estamos a criar nos nossos computadores, o crédito eletrónico, não é tão bom como o ouro?”_ _Este é o ideal para um universo financeiro fictício baseado em créditos e responsabilidades que perderam toda a ligação à realidade física. Esse é um tipo de futuro que resolveria o problema._ *solução 2* _A velha rima dizia que há um problema em vender uma mercadoria a descoberto quando na realidade não se tem a mercadoria: “He who sells what isn’t his’n, must buy it back or go to prison” ("Quem vende o que não é seu, tem de o comprar de volta ou vai para a prisão")._ _Foi o que sempre se avisou aos vendedores a descoberto. Tenham muito cuidado se venderem o direito de alguém vos exigir essa mercadoria, quando o período estiver a subir, e disserem: “Bem, lamento, apenas especulámos que o preço iria descer, mas na verdade não temos o ouro, ou o trigo, ou o cobre, para vos vender”. Então, isso é fraude e é-se mandado para a prisão._ _Então, o que é que vai acontecer se todo um governo o fizer?_ _Bem, lembrem-se do que disse o Presidente Nixon: “Quando o presidente o faz, não é um crime”._ _Hoje, dirão: “Bem, não é um crime não podermos dar-vos o ouro que pensavam ter comprado. Já vos demos o dinheiro para o ouro; já vos restituímos o dinheiro. Isso não é suficiente?” Porque mudámos toda a natureza do sistema._ *solução 3* _(...) precisam de um novo Goldfinger para culpar pelos cofres vazios em Fort Knox. Mas como é que o vão encontrar? Bem, o Goldfinger não podia ter feito tudo o que fez de forma tão simples no filme._ _Mas talvez alguém possa simplesmente bombardear o Fort Knox e depois culpar quem quer que seja o inimigo da semana da América. Podem dizer: “Oh, o Hamas fez explodir Fort Knox com a bomba atómica que o Irão lhes deu. Vamos atacar o Irão. E é realmente uma pena que eles tenham feito isso, mas não há mais ouro. Portanto, isso é uma emergência nacional. Agora só vão ter dólares electrónicos”. Talvez haja algo de ficção científica, como isso._ _Bem, o Ocidente quer desmonetizar o ouro para que o problema – poof! – desapareça por acordo coletivo._ _O problema vai ser convencer os europeus e outros a aceitarem a situação e dizerem: “OK, vamos desmonetizar todo o nosso ouro. Sabe, vamos mantê-lo, mas vamos concordar, no futuro, que os Estados Unidos podem continuar a travar a nova guerra fria e a gastar dólares na economia, e não vamos comprar mais ouro, a menos que paguemos 4000, 5000, 6000 dólares por onça. Mas vamos continuar a deixar que o dólar americano seja a base do nosso próprio sistema monetário e financeiro”._ *uma aposta* _Certamente que a China, a Rússia, a maior parte da Ásia e o Sul Global não o vão fazer._ _É isso que torna este preço do ouro tão político. Esta ideia de para onde foi o ouro é a chave para a forma como o sistema monetário mundial [funciona] e controla o rumo que a geopolítica mundial vai tomar nos próximos anos._ *uma suspeita* O sistema atual pode sim ter atingido seus limites. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. https://resistir.info/m_hudson/ouro_14fev25.html

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