
Reflexões e Inspirações
February 12, 2025 at 03:24 PM
Terra Molhada
Chove. E tem gente que reclama. Alguns porque é demais, porque alaga, porque atrapalha, porque esfria o corpo quando o desejo era sol. Outros porque é de menos, porque o chão racha, porque as plantas secam, porque o calor aperta e ninguém aguenta. Mas tem gente que não vê a chuva há anos. Gente que olha para o céu como quem olha para um passado distante, como quem espera uma promessa que nunca se cumpre. O tempo passa, a terra endurece, as nuvens se arrastam, mas a chuva não vem. E quando finalmente cai, quando toca o chão, quando espalha seu cheiro de terra molhada, há quem agradeça como quem recebe um presente inesperado. Porque a chuva tem disso, desse mistério de ser tanto e de ser nada ao mesmo tempo. De ser alívio e de ser fardo. De lavar a poeira e de criar lama. De apagar pegadas e de abrir caminhos. De ser começo e de ser fim. Porque ela não vem só para molhar a terra, vem para sacudir o mundo, vem para mudar as cores do que antes parecia imóvel. E é nisso que eu penso quando vejo a água deslizar pelo vidro, quando sinto o cheiro que só a chuva sabe trazer, quando escuto o tamborilar no telhado. Há algo na chuva que acalma, mas também há algo que inquieta. Ela arrasta a sujeira, mas também expõe o que estava escondido. Derruba folhas, derruba muros, derruba certezas. E às vezes é isso que a gente precisa. Uma tempestade para varrer o que já não fazia sentido. Uma chuva forte para levar o que insistia em ficar. Para lembrar que o mundo não é estático, que a gente também precisa desmanchar para refazer. E eu penso naqueles que não veem a chuva. Nos que vivem onde o céu só se enche de poeira, onde cada gota de água é uma raridade. Como deve ser estranho viver num lugar onde a chuva não é comum, onde o tempo passa e o céu continua o mesmo, sem esse espetáculo que acontece sem aviso, sem permissão. Como deve ser olhar para cima e não conhecer o cinza das nuvens carregadas, não ouvir o trovão anunciando o que vem, não sentir aquele vento que antecipa o aguaceiro, aquela mudança no ar que diz: "Está chegando." Porque a chuva chega assim, sem pedir licença. Chega e toma o espaço, transforma o dia, invade as ruas, entra nas casas, penetra na pele. Chega e nos lembra que há coisas que não controlamos, que não dominamos, que não seguramos nas mãos. E isso é belo. Isso é necessário. Porque às vezes esquecemos que há forças maiores que nós, que há ciclos que não seguimos, que há danças que não guiamos. E depois que a chuva passa, há um silêncio. Um silêncio diferente, carregado de algo que não estava ali antes. Como se o mundo tivesse respirado fundo, como se tudo estivesse mais leve, como se a própria terra tivesse se livrado de um peso invisível. O ar fica mais puro, o céu mais limpo, os sons mais nítidos. É um instante de pausa, um momento de calma antes do recomeço. Porque tudo recomeça depois da chuva. O verde fica mais verde, o chão parece mais vivo, as gotas ainda escorrem pelas folhas, pelas janelas, pelos cabelos de quem teve a sorte de estar lá fora. E eu me pergunto: e se a gente fosse como a chuva? E se a gente soubesse quando cair, quando lavar, quando purificar? E se a gente aprendesse a ser tempestade quando necessário, e brisa quando o momento pedisse? E se a gente entendesse que às vezes é preciso chover dentro da gente, para tirar a poeira acumulada, para limpar as dores, para dar espaço ao que vem depois? Porque, no fim das contas, talvez seja isso. Talvez a gente precise aceitar que a chuva não é só água caindo do céu. Que ela é mudança, é transição, é transformação. Que ela chega quando precisa chegar, vai embora quando tem que ir, e sempre, sempre deixa algo para trás. Algo que precisava ser levado. Algo que precisava ficar mais leve. Algo que precisava de um novo começo.
😮
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