
Genuínos Ortodoxos no Brasil
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About Genuínos Ortodoxos no Brasil
Somos uma missão Ortodoxa ligada ao Arcebispado Ortodoxo da Colômbia e toda América Latina Sob S.E.Rev. Arcebispo Pantaleimon, do Santo Sínodo Metropolitano dos Cristãos Ortodoxos Genuínos da Grécia GOX (ΓOX) do Calendário Patrístico, Metrópole de Avlona.
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VI. “Não tenhais zelo conforme a ciência” (Rm 10:2). A perversão, por parte dos latinos, da verdadeira veneração à Santíssima Virgem Maria no dogma recém-inventado da “Imaculada Conceição” Quando foram expostos aqueles que censuravam a vida imaculada da Santíssima Virgem – aqueles que negavam a Sua Sempre Virgindade, que negavam a Sua dignidade de Mãe de Deus, que desdeñavam os Seus ícones – e, ao mesmo tempo, quando a glória da Mãe de Deus iluminou todo o universo, surgiu então um ensinamento que, à primeira vista, parecia exaltar sobremaneira a Virgem Maria, mas que, na realidade, rejeitava todas as Suas virtudes. Esse ensinamento é chamado de doutrina da Imaculada Conceição da Virgem Maria e foi aceito pelos seguidores do papado romano. Consiste em afirmar que “a Santíssima Virgem Maria, no primeiro momento de sua concepção, por especial graça de Deus Todo-Poderoso e por privilégio singular, em razão dos méritos futuros de Jesus Cristo, Salvador da humanidade, foi preservada livre de qualquer mancha de culpa original” (conforme a bula do Papa Pio IX sobre o novo dogma). Em outras palavras, sustenta-se que a Mãe de Deus foi preservada do pecado original desde a própria concepção e, pela graça de Deus, tornou-se incapaz de cometer pecados pessoais. Os cristãos não ouviram falar disso até o século IX, quando o abade de Corvey, Paschasius Radbertus, expressou pela primeira vez a opinião de que a Santíssima Virgem fora concebida sem pecado original. A partir do século XII, essa ideia começou a difundirem-se entre o clero e o rebanho da Igreja ocidental, que já se havia afastado da Igreja ecumênica e, assim, perdido a graça do Espírito Santo. Contudo, nem todos os membros da Igreja romana concordavam com esse novo ensinamento. Até mesmo os teólogos ocidentais famosos – por assim dizer, os pilares da Igreja latina – encontravam-se divididos em suas opiniões. Tomás de Aquino e Bernardo de Claraval condenaram energicamente essa doutrina, enquanto Duns Escoto a defendeu. Entre os professores a divisão se estendeu aos alunos: os monges dominicanos latinos, seguindo seu mestre Tomás de Aquino, pregavam contra a Imaculada Conceição, enquanto os seguidores de Duns Escoto – os franciscanos – tentavam implantá-la em todos os lugares. Essa luta entre as duas correntes perdurou por vários séculos, e em ambos os lados havia indivíduos considerados as maiores autoridades entre os católicos. O fato de alguns afirmarem ter recebido uma revelação do alto sobre esse assunto não ajudou a resolver o problema. A famosa monja Brigitta, entre os católicos do século XIV, registrou em suas anotações as aparições da Mãe de Deus a ela, na qual a própria Virgem lhe disse que fora concebida imaculadamente, sem pecado original; e uma asceta contemporânea ainda mais célebre, Catarina de Siena, afirmou que, na concepção, a Santíssima Virgem esteve envolvida com o pecado original, mas que recebeu revelações do próprio Cristo (conforme Arcipreste A. Lebedev, Diferenças nas Ensinações sobre a Santíssima Theotokos das Igrejas Oriental e Ocidental). Assim, baseando-se nem nos escritos teológicos nem em fenômenos milagrosos – ambos mutuamente contraditórios –, o rebanho latino por muito tempo não conseguiu compreender onde estava a verdade. Os papas, até Sisto IV (final do século XV), mantiveram-se à margem dessas controvérsias; somente esse papa, em 1475, aprovou um rito no qual a doutrina da Imaculada Conceição era claramente expressa, e alguns anos depois proibiu condenar aqueles que acreditavam nela. No entanto, nem mesmo Sisto IV se atreveu ainda a afirmar que essa fosse a doutrina inabalável da Igreja; havendo proibido a condenação dos que acreditavam na Imaculada Conceição, ele não condenou os que acreditavam de forma diversa. Enquanto isso, a doutrina da Imaculada Conceição vinha ganhando cada vez mais adeptos entre os membros da Igreja Católica Romana. Isso se deve, em parte, ao fato de que a Mãe de Deus parecia, aos olhos dos fiéis, ser um objeto de piedade e de uma glorificação máxima. De um lado, havia o desejo popular de exaltar o Intercessor Celestial; de outro, a tendência dos teólogos ocidentais a se desviarem para raciocínios abstratos – que levam apenas a uma verdade aparente (o Escolasticismo) – e, finalmente, o patrocínio dos papas romanos após Sisto IV. Tudo isso levou ao fato de que a opinião sobre a Imaculada Conceição, expressa por Paschasius Radbertus no século IX, já era a crença geral da Igreja latina no século XIX. Só faltava proclamá-la definitivamente como ensinamento da Igreja, o que ocorreu quando o Papa Pio IX, durante um serviço solene em 8 de dezembro de 1854, declarou que a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria era um dogma da Igreja Romana. Dessa forma, a Igreja Romana acrescentou outra distorção à doutrina que professava enquanto membro da Igreja Católica Apostólica – fé que a Igreja Ortodoxa mantém inviolável e inalterada. A proclamação do novo dogma satisfez amplos círculos do povo pertencente à Igreja Romana, que, na simplicidade de seus corações, pensou que o anúncio do novo ensinamento serviria para a maior glória da Mãe de Deus – como se estivessem, por assim dizer, fazendo-lhe um presente; a ambição dos teólogos ocidentais que o defenderam e desenvolveram ficou satisfeita; e, sobretudo, a proclamação do novo dogma beneficiou o próprio trono romano, pois, tendo proclamado o dogma por sua própria autoridade – mesmo após ouvir as opiniões dos bispos da Igreja Católica – o Papa romano apropriou-se abertamente do direito de mudar os ensinamentos da Igreja e colocou sua voz acima do testemunho das Sagradas Escrituras e da Tradição. Daí decorre, diretamente, a conclusão de que os Papas romanos são infalíveis em matéria de fé, o que o próprio Papa Pio IX também proclamou como dogma da Igreja Católica em 1870. Assim, a doutrina da Igreja ocidental mudou, afastando-se da comunhão com a verdadeira Igreja. Ela passou a introduzir ensinamentos cada vez mais inovadores, na intenção de exaltar ainda mais a verdade, mas, na realidade, distorcendo-a. Enquanto a Igreja Ortodoxa confessa humildemente o que recebeu de Cristo e dos apóstolos, a Igreja Romana ousa complementá-lo – às vezes com “zelo… não conforme à ciência” (Rm 10:2), às vezes desviando-se “para palavras vãs e contradições da falsamente chamada ciência” (1Tm 6:20). Não podia ser de outra forma; a promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja” (Mt 16:18) é destinada somente à verdadeira Igreja Universal, e as palavras “assim como o ramo não pode dar fruto por si só, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim” (Jo 15:4) se aplicam àqueles que se afastaram dela. É certo que na própria definição do novo dogma se afirma que não se está instituindo um novo ensinamento, mas apenas proclamando como eclesiástico aquele que sempre existiu na Igreja – o mesmo ao qual aderiram muitos santos pais, cujas obras são citadas em trechos. No entanto, todas as menções anteriores falam apenas do alto honrar da Virgem Maria, de sua pureza, atribuindo-lhe muitos nomes que definem sua pureza e poder espiritual, mas em nenhum momento se menciona a pureza em sua concepção. Ao mesmo tempo, outros santos pais afirmam que somente Jesus Cristo está completamente livre de todo pecado, enquanto todos os homens, tendo nascido de Adão, possuem uma carne sujeita à lei do pecado. Nenhum dos antigos santos pais afirma que Deus purificou milagrosamente a Virgem Maria enquanto ela ainda estava no ventre materno; muitos afirmam, de forma direta, que a Virgem Maria, como todas as pessoas, enfrentou lutas contra o pecado, mas saiu vitoriosa das tentações e foi salva por seu Divino Filho. Os intérpretes da fé latina também afirmam que a Virgem Maria foi salva por Cristo, mas entendem isso no sentido de que Maria foi protegida da mancha da culpa original em razão dos méritos futuros de Cristo (conforme a bula sobre o dogma da Imaculada Conceição). Segundo esse ensinamento, Maria, como se desde então tivesse recebido o dom que Cristo trouxe aos homens por meio de seu sofrimento e morte na cruz, foi preservada – e, além disso, os tormentos que a Mãe de Deus suportou, estando ao lado da cruz de seu amado Filho, e, de modo geral, as dores que marcaram sua vida, são considerados um acréscimo aos sofrimentos de Cristo e de Maria, nossa Corredentora. De acordo com a interpretação dos teólogos latinos, “Maria está associada ao nosso Redentor, como Corredentora” (Cf. Lebedev, Ibid., p. 273); “Nas obras da redenção, ela ajudou, de algum modo, a Cristo” (Catecismo do Dr. Weimar); “A Mãe de Deus”, escreve o Dr. Lenz, “não apenas suportou o peso de seu martírio com coragem, mas também com alegria, ainda que com o coração despedaçado” (Mariologia do Dr. Lenz). Por isso, ela é chamada de “o complemento da Santíssima Trindade” e, “assim como seu Filho é o único Mediador escolhido por Deus entre Sua majestade ofendida e os homens pecadores, a Mediadora principal, colocada por Ele entre o Filho e nós, é a Santíssima Virgem”. “Três relações: Filha, Mãe e Esposa de Deus – a Santíssima Virgem é elevada a uma certa igualdade com o Pai, a uma certa superioridade sobre o Filho, a uma certa proximidade com o Espírito Santo” (Inmaculada Conceição, Malu, bispo de Bruges). Assim, segundo os representantes da teologia latina, na obra da redenção a Virgem Maria se coloca junto a Cristo e é elevada quase à igualdade com Deus. Não há outro lugar para onde se possa ir. Se tudo isso ainda não foi formalizado definitivamente como dogma da Igreja Romana, então o Papa Pio IX, tendo dado o primeiro passo nesse sentido, indicou a direção para o desenvolvimento ulterior da doutrina geralmente reconhecida em sua igreja, confirmando indiretamente o ensinamento anteriormente mencionado sobre a Virgem Maria. Dessa forma, a Igreja Romana, em seu desejo de exaltar a Santíssima Virgem, segue o caminho da completa deificação dela e, se já agora suas autoridades chamam Maria de complemento da Santíssima Trindade, logo poderemos esperar que a Virgem seja venerada como Deus. O mesmo caminho foi trilhado por um grupo de pensadores que, embora ainda pertencessem à Igreja Ortodoxa, estavam construindo um novo sistema teológico, fundamentado na doutrina filosófica acerca da Sabedoria (Sophia), concebida como uma força especial que conecta o Divino e a criação. Desenvolvendo também o ensinamento sobre a dignidade da Mãe de Deus, pretendem ver nela um ser situado entre Deus e o homem. Em alguns aspectos, são mais moderados do que os teólogos latinos, mas, em outros, talvez já lhes levem vantagem. Embora neguem a doutrina da imaculada concepção e a remissão do pecado original, ensinam, contudo, a completa libertação de todos os pecados pessoais, vendo nela uma mediadora entre as pessoas e Deus, de modo semelhante a Cristo: na pessoa de Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade – o Verbo Eterno, o Filho de Deus – manifestou-se na terra, e o Espírito Santo se manifesta por meio da Virgem Maria. Segundo um dos representantes desse movimento, com a morada do Espírito Santo, Maria adquiriu “uma vida dupla, humana e divina; isto é, está completamente deificada, de forma que, em sua existência hipostática, é uma revelação viva criada pelo Espírito Santo” (Arcipreste Sérgio Bulgákov, A Sarça Ardente, edição de 1927, p. 154), “é uma manifestação perfeita da Terceira Hipóstase” (ibid., p. 175), “uma criatura, mas já não uma criatura” (ibid., p. 191). Esse desejo de deificar a Mãe de Deus observa-se sobretudo no Ocidente, enquanto, por outro lado, diversas seitas de caráter protestante – juntamente com as principais vertentes do protestantismo, como o luteranismo e o calvinismo, que geralmente negam a veneração da Mãe de Deus e sua invocação em oração – têm obtido amplo sucesso. Mas podemos dizer, usando as palavras de São Epifânio de Chipre: “Há igual dano em ambas as heresias, tanto quando humilham a Virgem quanto quando, ao contrário, a glorificam além do devido” (São Epifânio de Chipre, Panarion, contra os Collaridianos). O Santo Padre repreende aqueles que a cultuam de forma quase divina: “Honrai Maria e adorai o Senhor” (ibid.). “Embora Maria seja um instrumento escolhido, por natureza é uma mulher que não se diferencia das demais. Embora a história de Maria e a Tradição relatem que a seu pai Joaquim foi dito, no deserto, ‘Tua mulher concebeu’, isso não ocorreu sem união matrimonial e sem a descendência de um esposo” (São Epifânio de Chipre, Contra os Collaridianos). “Não devemos honrar os santos mais do que o devido, mas honrar o seu Senhor. Maria não é Deus e não recebeu seu corpo do céu, mas sim da união de marido e mulher e, segundo a promessa, como Isaque, foi preparada para participar da dispensação de Deus. Porém, que ninguém se atreva a insultar loucamente a Santíssima Virgem” (São Epifânio, Contra os Antidicomarionitas). A Igreja Ortodoxa, embora exalte sobremaneira a Mãe de Deus em seus cânticos de louvor, não se atreve a atribuir-lhe nada que não esteja fundamentado nas Sagradas Escrituras ou na Tradição. “A verdade é alheia a todas as exagerações e depreciações: cada coisa deve receber sua justa medida e seu lugar apropriado” (Bispo Inácio Brianchaninov). Embora glorifiquem a condição imaculada da Virgem Maria e sua valente resistência aos sofrimentos de sua vida terrena, os Padres da Igreja, contudo, rejeitam a ideia de que ela se apresente como mediadora entre Deus e os homens no sentido de uma redenção conjunta da humanidade. Falando de sua disposição de morrer junto com seu Filho e de sofrer com Ele pela salvação comum, o célebre pai da Igreja ocidental, São Ambrósio, bispo de Milão, acrescenta: «Mas o sofrimento de Cristo não necessitava de ajuda, como o próprio Senhor previu muito antes: ‘Olhei, e não havia quem me ajudasse; considerei, e ninguém veio me socorrer’» (Is 63:5 – São Ambrósio, Da Educação da Virgem e da Sempre Virgindade de Santa Maria, cap. 7). O mesmo santo ensina sobre a universalidade do pecado original, do qual somente Cristo é exceção. “De todos os nascidos de mulher, nenhum é completamente santo, exceto o Senhor Jesus Cristo, que, segundo a nova imagem especial do nascimento imaculado, não experimentou a corrupção terrena” (São Ambrósio, In Luc, sec. II). “Somente Deus está livre de pecado. Geralmente, todos os nascidos de uma esposa e um esposo, isto é, de uma união carnal, são culpados de pecado. Portanto, aquele que não tem pecado não foi concebido dessa maneira” (São Ambrósio, Ar. Aug. de nupcia et concepcione). “Um único homem, o Intercessor de Deus e dos homens, está livre dos vínculos do nascimento pecaminoso, porque nasceu da Virgem e, ao nascer, não experimentou o toque do pecado” (São Ambrósio, Contra Juliano, livro 2). Outro célebre mestre da Igreja, especialmente venerado no Ocidente, o Beato Agostinho escreve: «Quanto aos demais homens, excluindo Aquele que é a pedra angular, não vejo outro caminho para que se tornem templos de Deus e morada de Deus, senão o renascimento espiritual, que necessariamente é precedido pelo nascimento físico. Assim, qualquer que seja o nosso pensamento acerca dos filhos no ventre de suas mães – mesmo a palavra do santo evangelista, que diz de João Batista que saltou de alegria no ventre de sua mãe (o que não ocorreu de outro modo senão pela ação do Espírito Santo), ou as próprias palavras do Senhor dirigidas a Jeremias: ‘Eu te santifiquei antes que saísses do ventre de tua mãe’ (Jer 1:5) – nos dariam, ou não, motivos para pensar que os filhos naquele estado pudessem ser capazes de alguma santificação; mas, em todo caso, é certo que aquela santificação pela qual, juntos e individualmente, nos tornamos templo de Deus é possível somente para aqueles que já renasceram, e esse renascimento pressupõe sempre o nascimento. Somente aqueles que já nasceram podem unir-se a Cristo e estar em comunhão com esse Corpo divino, que faz de Sua Igreja um templo vivo da majestade de Deus» (Beato Agostinho, Carta 187). As palavras dos antigos mestres da Igreja testemunham que, no próprio Ocidente, o ensinamento que hoje se difunde foi rejeitado anteriormente. Mesmo após a apostasia da Igreja ocidental, Bernardo – reconhecido aí como uma grande autoridade – escreveu: > “Estou horrorizado ao ver que alguns de vós desejais agora mudar o estado de coisas importantes, introduzindo uma nova celebração, desconhecida pela Igreja, desaprovada pela razão e injustificada pela antiga Tradição. Somos realmente mais sábios e mais piedosos que nossos pais? Dirás que é necessário glorificar ao máximo a Mãe do Senhor. Isto é certo; mas a glorificação dada à Rainha dos Céus exige distinção. Essa verdadeira Virgem não necessita de falsas glorificações, pois já possui verdadeiras coroas de glória e sinais de dignidade. Glorificai a pureza de sua carne e a santidade de sua vida. Maravilhai-vos com a abundância dos dons desta Virgem; adorai seu Divino Filho; exaltai Aquele que concebeu sem conhecer a luxúria e deu à luz sem conhecer a dor. Que mais pode ser acrescentado a esses méritos? Diz-se que deve ser honrada a concepção que precedeu o glorioso nascimento; porque, se a concepção não tivesse precedido, o nascimento não teria sido glorificado. Mas, o que diríamos se alguém, pela mesma razão, exigisse o mesmo tributo ao pai e à mãe de Santa Maria? Podem exigir o mesmo para seus avós e bisavós, e assim por diante. Além disso, como não poderia haver pecado onde há luxúria? Com maior razão não se deve dizer que a Santíssima Virgem foi concebida pela ação do Espírito Santo, e não pela ação do varão; afirmo com certeza que o Espírito Santo desceu sobre Ela, e não que veio com Ela.” “Digo que a Virgem Maria não pôde ser santificada antes de sua concepção, pois ela não existia; e, ainda, se Ela não pôde ser santificada no momento de sua concepção – uma vez que o pecado é inseparável da concepção – então é necessário acreditar que Ela foi santificada somente depois de ter sido concebida no ventre de sua mãe. Essa santificação, se destrói o pecado, santifica o nascimento, mas não a concepção. Ninguém tem o direito de ser concebido em santidade. Somente o Senhor Cristo foi concebido pelo Espírito Santo, e somente Ele é santo desde a própria concepção. Excluindo-O, a todos os descendentes de Adão aplica-se o que um deles diz de si mesmo, seja por humildade ou por consciência da verdade: ‘porque eis que, em maldade, fui concebido’ (Sl 50:7). Como se pode exigir que essa concepção seja santa, se não foi obra do Espírito Santo – sem mencionar que advém da concupiscência? A Santíssima Virgem, por certo, rejeitará aquela glória que parece glorificar o pecado; “De forma alguma justificará uma novidade inventada contrária ao ensinamento da Igreja, novidade que é mãe da imprudência, irmã da incredulidade e filha da frivolidade” (Bernard, Epístola CLXXIV, citada, assim como a anterior – do Beato Agostinho – em Lebedev, Diferenças na Doutrina sobre a Santíssima Theotokos das Igrejas do Oriente e do Ocidente). As palavras citadas revelam claramente tanto a novidade quanto o absurdo do novo dogma da Igreja romana.


A Doutrina sobre a Impecabilidade Completa da Mãe de Deus: (Sobre a heresia da imaculada Conceição) 1. Não corresponde às Sagradas Escrituras, onde se diz repetidamente acerca da impecabilidade do “único Mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo” (1Tm 2:5), “e nele não há pecado”, “aquele que não cometeu pecado, não se achou engano em sua boca”, “tentado em tudo, à semelhança de Cristo, mas sem pecado”, “porque aquele que não conheceu o pecado, por nós pecou” (1Jo 3:5; 1Pe 2:22; Hb 4:15; 2Co 5:21); enquanto, sobre outras pessoas, declara-se: “Quem é puro de imundícia? Ninguém, ainda que viva somente um dia sobre a terra” (Jó 14:4–5). “Mas Deus demonstra o Seu amor para conosco, pois, sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós... Porque, embora sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho; quanto mais, estando reconciliados, seremos salvos em Sua vida” (Rm 5:8–10). 2. Essa doutrina contradiz também a Sagrada Tradição, contida em inúmeras obras patrísticas, que afirmam a elevada santidade da Virgem Maria desde o seu próprio nascimento e a sua purificação pelo Espírito Santo na concepção de Cristo – mas não em sua própria concepção por Ana. “Ninguém está limpo de imundície diante de Ti, nem sequer por um dia de sua vida, exceto Tu, o Senhor, sem pecado, nosso Jesus Cristo, que se manifestou na terra, ‘por meio de quem todos esperamos alcançar misericórdia e perdão dos pecados’”, diz Basílio, o Grande (Oração das Vésperas de Pentecostes). “Mas quando Cristo veio por meio de uma Mãe pura, virginal, célibe, temente a Deus, imaculada, sem casamento e sem pai, e, como tinha de nascer, purificou a natureza feminina, rejeitou a amarga Eva e desprezou as leis carnais”, acrescenta São Gregório, o Teólogo (Elogio da Virgindade). Contudo, mesmo então – como afirmam os Santos Basílio, o Grande, e João Crisóstomo – Ela não foi colocada na posição de não poder pecar, mas continuou zelando por sua salvação, vencendo todas as tentações. 3. A doutrina de que a Mãe de Deus foi purificada antes de nascer, para que dela pudesse nascer o Cristo Puro, não faz sentido, pois se o Cristo Puro só pôde nascer se a Virgem fosse purificada no ventre de seus pais, então, para que a Virgem nascesse pura, seria necessário que os Seus pais fossem puros do pecado original, e estes, por sua vez, teriam que ter nascido de pais purificados, e assim sucessivamente. Chegar-se-ia, então, à conclusão de que Cristo não poderia ter se encarnado se todos os Seus antepassados na carne – inclusive Adão – não tivessem sido previamente purificados do pecado original; mas, nesse caso, não haveria necessidade da encarnação de Cristo, pois Ele veio à terra para destruir o pecado. 4. A doutrina de que a Mãe de Deus foi preservada do pecado original, assim como o fato de que ela foi mantida livre dos pecados pessoais pela graça de Deus, apresenta Deus como implacável e injusto, pois se Deus pôde preservar Maria do pecado e purificá-la até mesmo antes do nascimento, por que não purifica outras pessoas antes do nascimento, deixando-as em pecado? Além disso, resulta que Deus salva as pessoas mesmo contra a vontade delas, mesmo antes de nascer, predestinando alguns à salvação. 5. Esse ensinamento, aparentemente destinado a exaltar a Mãe de Deus, na realidade nega por completo todas as suas virtudes. Afinal, se Maria, enquanto ainda estava no ventre de sua mãe – quando ainda não podia desejar nada de bom nem de mau – foi preservada de toda impureza pela graça de Deus, e depois, por essa mesma graça, foi mantida livre do pecado após o nascimento, então qual seria o seu mérito? Se Ela foi colocada numa posição em que era impossível pecar e, de fato, Ela não pecou, por que Deus a glorificaria? Se Ela permaneceu pura sem qualquer esforço e sem motivo para pecar, por que foi coroada acima de todas as demais? Não há vitória sem um inimigo. A justiça e a santidade da Virgem Maria revelaram-se no fato de que Ela, sendo “um ser humano que se compadece de nós”, amou tanto a Deus e entregou-se a Ele que, por sua pureza, elevou-se acima do restante da raça humana. Por essa razão – preconhecida e preeleita – Ela foi considerada digna de que, pelo Espírito Santo que sobre Ela desceu, fosse purificada e concebida por Ele como o próprio Salvador do mundo. A doutrina sobre a graciosa impecabilidade da Virgem Maria nega a Sua vitória sobre as tentações e o seu direito de ser coroada com glórias como vencedora, transformando-a num instrumento cego da Providência de Deus. Não se trata de uma exaltação e maior glória, mas sim de uma humilhação de Maria o que está representado por esse “dom” que o Papa Pio IX e todos os outros que acham poder glorificar a Mãe de Deus mediante a invenção de novas verdades oferecem. A Santíssima Maria já está tão glorificada por Deus, tão exaltada por sua vida na terra e sua glória no céu, que as invenções humanas nada podem acrescentar ao seu honrório e à sua glória. O que o próprio povo inventa apenas serve para ocultar o rosto de Deus aos seus olhos. “Irmãos, vede que ninguém vos engane por meio de filosofias e sutilezas vãs, segundo as tradições dos homens, conforme os rudimentos deste mundo, e não segundo Cristo” (Col 2:8), escreveu o apóstolo Paulo, movido pelo Espírito Santo. Essa é uma espécie de “vã adulação” que constitui o ensinamento sobre a imaculada concepção da Virgem Maria, segundo Ana – que, à primeira vista, a exalta, mas na realidade a humilha. Como toda mentira, é semente do “pai da mentira” (Jo 8:44), o diabo, que tem conseguido enganar muitos que não compreendem que estão blasfemando contra a Virgem Maria. Juntamente com esse ensinamento, devem ser rejeitados todos os demais que dele derivem ou que estejam relacionados a ele. O desejo de elevar a Santíssima Virgem à igualdade com Cristo, atribuindo ao seu sofrimento maternal na cruz um significado equivalente aos sofrimentos de Cristo – para que o Redentor e “Corredentor” sofressem igualmente, conforme o ensinamento dos papistas, ou “para que o ser humano da Mãe de Deus, no céu, juntamente com o Deus-homem Jesus, revele a imagem plena do homem” (Arcipreste S. Bulgákov, A Sarça Ardente, p. 141), segundo o ensinamento dos falsos sofistas (sendo Sophia a Sabedoria) – constitui, igualmente, uma vã adulação e a sedução da filosofia. Em Cristo Jesus “não há varão nem mulher” (Gl 3:28), e Cristo redimiu toda a humanidade; por isso, igualmente, em Sua Ressurreição “Adão se alegrou, e Eva se alegrou” (Kontakias dominicais do 1º e 3º tomos), e, com Sua Ascensão, o Senhor exaltou toda a natureza humana. Além disso, afirmar que a Mãe de Deus é “o complemento da Santíssima Trindade” ou “a quarta hipóstase” ou “que o Filho e a Mãe são a revelação do Pai por intermédio da Segunda e Terceira Hipóstases”, que a Virgem Maria é “uma criatura, mas já não uma criatura” – tudo isso resulta de um raciocínio falso, insatisfeito com o que a Igreja tem contido desde os tempos dos apóstolos e que tenta glorificar a Santíssima Virgem além do que Deus Lhe concedeu. As palavras dos santos tornam-se realidade. São Epifânio de Chipre afirma: “Alguns insanos, em suas opiniões acerca da Santa Sempre Virgem, têm tentado – e continuam tentando – colocá-la no lugar de Deus” (São Epifânio de Chipre, Contra os Antidicomarionitas, heresia 78). Mas, nessa loucura, o que se atribui à Virgem, em vez de exaltá-la, acaba por ser blasfêmia, e a Imaculada repudia a mentira, sendo Mãe da Verdade (Jo 14:6).


V. As Tentativas dos Iconoclastas de Diminuir a Glória da Rainha dos Céus e Sua Vergonha Após o Terceiro Concílio Ecumênico, os cristãos, tanto em Constantinopla quanto em outros lugares, passaram a recorrer com ainda mais zelo à intercessão da Mãe de Deus, e suas esperanças em sua intercessão não foram em vão. Ela demonstrou sua ajuda a inúmeras pessoas enfermas, desamparadas e aflitas. Apareceu repetidamente como protetora de Constantinopla contra inimigos externos, chegando até a mostrar visivelmente ao Venerável Louco André sua maravilhosa proteção sobre as pessoas que oravam à noite na Igreja de Blachernae. A Rainha dos Céus concedia vitórias aos czares bizantinos nas batalhas, razão pela qual tinham o costume de levar consigo o ícone da Odigítria (Guia) em suas campanhas militares. Ela fortalecia os ascetas e os zelosos da vida cristã em sua luta contra as paixões e fraquezas humanas. Iluminava e instruía os Padres e Mestres da Igreja, como fez com São Cirilo de Alexandria, quando este hesitou em reconhecer a inocência e santidade de São João Crisóstomo. A Puríssima Virgem colocava cânticos nos lábios dos compositores de hinos eclesiásticos, tornando, às vezes, famosos cantores que eram incapazes e não tinham o dom do canto, mas eram trabalhadores piedosos, como, por exemplo, São Romano, o Melodista. Não é surpreendente, portanto, que os cristãos buscassem exaltar o nome de sua constante Intercessora. Estabeleceram festas em sua honra, dedicaram-lhe belos cânticos e veneraram suas imagens. A malícia do “príncipe deste mundo” armou os “filhos da apostasia” para mais uma vez travarem uma batalha contra Emmanuel e sua Mãe, justamente em Constantinopla, que agora, assim como Éfeso no passado, venerava a Mãe de Deus como sua Intercessora. No início, não ousando falar abertamente contra a Eleita Comandante, tentaram diminuir sua glorificação proibindo a veneração dos ícones de Cristo e dos santos, chamando essa prática de idolatria. Contudo, também aqui a Mãe de Deus fortaleceu os zelosos da piedade na luta pela veneração das imagens, manifestando muitos sinais através de seus ícones e curando a mão decepada de São João Damasceno, que escreveu em defesa dos ícones. A perseguição aos veneradores dos ícones e aos santos terminou novamente com a vitória e o triunfo da Ortodoxia, pois o respeito prestado aos ícones remonta àqueles que neles estão representados. Os santos de Deus são reverenciados como amigos de Deus, por causa da graça divina que neles habita, segundo as palavras do salmo: “Mas para mim, quão preciosos são os teus amigos, ó Deus!” (Salmo 138:17). A Puríssima Mãe de Deus é especialmente glorificada no céu e na terra, e mesmo nos dias da profanação dos santos ícones, manifestou tantos milagres através deles que até hoje os recordamos com ternura. O cântico “Toda a criação se alegra em Ti, ó Bendita” e o ícone da “Três Mãos” nos lembram da cura de São João Damasceno diante desse ícone. A imagem do Ícone de Iveron da Mãe de Deus nos recorda a salvação milagrosa desse ícone de seus inimigos, quando foi lançado ao mar por uma viúva que não pôde salvá-lo de outra forma. Nenhuma perseguição contra aqueles que honram a Mãe de Deus, e tudo o que está relacionado à sua memória, pôde diminuir o amor dos cristãos por sua Intercessora. Foi estabelecida a regra de que cada série de cânticos litúrgicos fosse finalizada com um hino ou verso em honra à Mãe de Deus (o chamado Theotokion). Muitas vezes ao ano, os cristãos, em diversas partes do mundo, reúnem-se no templo para louvá-la, agradecer pelas bênçãos que nos concedeu e pedir sua misericórdia. Mas o inimigo dos cristãos, o diabo, que "anda ao redor como leão que ruge, buscando a quem possa devorar" (1 Pe 5:8), poderia permanecer como um espectador indiferente diante da glória da Imaculada? Poderia admitir sua derrota e deixar de combater a verdade através de pessoas que fazem sua vontade? Assim, quando todo o universo se encheu da Boa Nova da fé cristã, quando o nome da Santíssima era invocado em toda parte, quando a terra se encheu de igrejas e as casas dos cristãos foram adornadas com seus ícones, surgiu então um novo falso ensinamento sobre a Mãe de Deus, que começou a se espalhar. Esse falso ensinamento é perigoso porque muitos não percebem imediatamente o quanto ele mina a verdadeira veneração da Mãe de Deus.


III. Tentativas de judeus e hereges de desacreditar a virgindade de Maria Os caluniadores judeus logo descobriram que era quase impossível desacreditar a Mãe de Jesus e que, com base nas informações que eles próprios possuíam, era muito mais fácil demonstrar sua vida louvável. Por isso, abandonaram essa calúnia, que já havia sido retomada pelos pagãos (Orígenes, Contra Celso, I), e tentaram demonstrar pelo menos que Maria não era virgem quando deu à luz a Cristo. Até mesmo afirmavam que a profecia sobre o nascimento do Messias de uma Virgem nunca existiu, e que, portanto, era completamente inútil que os cristãos pensassem em exaltar Jesus com isso, como se essa profecia tivesse se cumprido n'Ele. Houve tradutores judeus (Áquila, Símaco, Teodócio) que produziram novas traduções do Antigo Testamento para o grego, nas quais traduziram a famosa profecia de Isaías como: “Eis que a jovem conceberá” (Is 7:14). Alegavam que a palavra hebraica aalmah significava uma mulher jovem, e não uma virgem, como constava na tradução sagrada dos 70 intérpretes, onde esse trecho é traduzido como: “Eis que uma virgem conceberá”. A nova tradução pretendia demonstrar que os cristãos, baseando-se na tradução incorreta da palavra aalmah, atribuíam a Maria algo completamente impossível: um nascimento sem relação com um homem, enquanto, na realidade, o nascimento de Cristo não diferiria dos outros nascimentos humanos. No entanto, a má intenção dos novos tradutores ficou claramente revelada, pois, ao comparar diferentes trechos da Bíblia, percebe-se que a palavra aalmah significa precisamente "virgem". E não apenas os judeus, mas também os pagãos, baseando-se em suas tradições e diversas predições, esperavam que o Salvador do mundo nascesse de uma Virgem. O Evangelho afirma claramente que o Senhor Jesus nasceu de uma Virgem. “Como será isso, se não conheço varão?”, perguntou Maria, que havia feito voto de virgindade, ao Arcanjo Gabriel, que lhe anunciou o nascimento de Cristo. E o anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra; por isso também o Santo que nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1:34–35). Mais tarde, o anjo apareceu ao justo José, que queria deixar Maria, sabendo que ela havia concebido sem ter convivência marital com ele. O Arcanjo Gabriel disse a José: “Não temas receber Maria, tua esposa, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo”, e lembrou-lhe a profecia de Isaías sobre a concepção da Virgem (Mt 1:18–25). A vara de Aarão que floresceu (Nm 17:8), a pedra cortada sem mãos do monte, vista por Nabucodonosor em sonho e interpretada pelo profeta Daniel (Dn 2:31–45), as portas fechadas vistas pelo profeta Ezequiel (Ez 44:1–4) e muitas outras prefigurações no Antigo Testamento anunciaram o nascimento da Virgem. Assim como Adão foi criado pelo Verbo de Deus a partir da terra virgem e inculta, assim também o Verbo de Deus criou para si a carne a partir do ventre virginal, tornando-se o novo Adão para corrigir a queda do primeiro Adão (São Irineu de Lyon, Livro III). Somente aqueles que rejeitam o Evangelho podem negar o nascimento sem semente de Cristo, mas a Igreja de Cristo sempre confessou Cristo como “encarnado pelo Espírito Santo e por Maria Virgem”. No entanto, o nascimento de Deus a partir da Virgem Maria tornou-se pedra de tropeço para aqueles que queriam se chamar cristãos, mas não queriam humilhar sua mente e aspirar à pureza de vida. A vida pura de Maria era um reproche para aqueles que são impuros em seus pensamentos. Para parecerem cristãos, não ousavam negar que Cristo nasceu da Virgem, mas começaram a afirmar que Maria permaneceu virgem apenas “até que deu à luz seu filho primogênito... Jesus” (Mt 1:25). “Depois do nascimento de Jesus” – dizia o falso mestre Helvídio no século IV, assim como muitos antes e depois dele – “Maria entrou em vida matrimonial com José e teve filhos dele, que são chamados no Evangelho de irmãos e irmãs de Cristo”. Porém, a palavra “até” não significa que Maria permaneceu virgem apenas por um certo tempo. A palavra "até" e expressões semelhantes frequentemente indicam eternidade. A Sagrada Escritura diz sobre Cristo: “Em seus dias florescerá a justiça e abundância de paz, até que não haja mais lua” (Sl 72:7), mas isso não significa que, quando a lua desaparecer no fim do mundo, a justiça de Deus deixará de existir; ao contrário, então ela triunfará plenamente. O Salvador diz aos Apóstolos no Evangelho: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28:20). Então, no fim dos tempos, o Senhor se afastará de Seus discípulos? E quando eles julgarem as doze tribos de Israel sentados em doze tronos, não terão mais a comunhão prometida com o Senhor? (Beato Jerônimo, Sobre a Sempre Virgindade da Santíssima Maria). Também é errôneo pensar que os irmãos e irmãs de Cristo fossem filhos de sua Santíssima Mãe. Os termos "irmão" e "irmã" possuem diversos significados. Essas palavras, que indicam certo grau de parentesco ou proximidade espiritual, às vezes são usadas de forma mais ampla e, outras vezes, de maneira mais restrita. Em nenhum lugar do Evangelho se afirma que os irmãos de Jesus ali mencionados eram ou eram considerados filhos de Sua Mãe. Pelo contrário, sabe-se que Tiago e os outros eram filhos de José, o prometido de Maria, que era viúvo e tinha filhos de sua primeira esposa (São Epifânio de Chipre, Panarion contra a heresia, 78). Além disso, a irmã de Sua Mãe, Maria, esposa de Cléofas, que estava com Ela junto à cruz do Senhor (Jo 19:25), também teve filhos que, devido a essa estreita relação, poderiam ser chamados de irmãos do Senhor. Que os chamados irmãos e irmãs do Senhor não eram filhos de Sua Mãe fica claramente demonstrado pelo fato de que, antes de Sua morte, o Senhor confiou Sua Mãe ao Seu discípulo amado, João (Jo 19:27). Por que Ele faria isso se Ela tivesse outros filhos além d'Ele? Eles mesmos cuidariam d'Ela. Os filhos de José, considerado pai de Jesus, não se sentiam obrigados a cuidar da mulher que, segundo pensavam, era apenas sua madrasta. Assim, um estudo atento das Sagradas Escrituras revela com total clareza a inconsistência das objeções contra a virgindade perpétua de Maria e expõe o erro daqueles que ensinam o contrário. IV. A Heresia Nestoriana, que Proclamou a Mãe de Deus Apenas como Mãe de Cristo, e o Terceiro Concílio Ecumênico Quando aqueles que ousaram falar contra a santidade e pureza da Santíssima Virgem Maria precisaram ser silenciados, tentou-se então destruir sua veneração como Mãe de Deus. No século V, o arcebispo de Constantinopla, Nestório, começou a pregar que apenas o homem Jesus nasceu de Maria, e que a Divindade entrou e habitou nele como em um templo. Inicialmente, essa ideia foi permitida por seu presbítero Anastácio, e depois o próprio Nestório começou a ensinar abertamente na igreja que Maria não poderia ser chamada de Mãe de Deus, pois não teria dado à luz o Deus-Homem. Para ele, era humilhante adorar o Menino envolto em faixas e deitado em uma manjedoura. Esses sermões causaram confusão geral e preocupação com a pureza da fé, primeiro em Constantinopla e depois em todos os lugares para onde chegaram os rumores dessa nova doutrina. São Proclo, discípulo de São João Crisóstomo e então bispo de Cízico (mais tarde arcebispo de Constantinopla), pronunciou um sermão na igreja na presença de Nestório, confessando que o Filho de Deus nasceu na carne da Virgem e que ela é verdadeiramente a Mãe de Deus. Pois, desde o ventre puríssimo, no momento da concepção, a Divindade se uniu à Criança concebida pelo Espírito Santo. Assim, embora por sua natureza humana tenha nascido da Virgem Maria, ele já nasceu como verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Nestório persistiu em sua crença e se recusou a mudar seu ensinamento, insistindo que era necessário distinguir entre Jesus e o Filho de Deus. Segundo ele, Maria não deveria ser chamada de Mãe de Deus, mas apenas Mãe de Cristo, pois Jesus, nascido de Maria, seria apenas um homem – Cristo (Messias, Ungido), semelhante aos profetas anteriores, apenas os superando em sua proximidade com Deus. A doutrina de Nestório, portanto, negava toda a economia divina, pois, se de Maria nasceu apenas um homem, então não foi Deus quem sofreu por nós, mas apenas um ser humano. São Cirilo, arcebispo de Alexandria, ao tomar conhecimento da doutrina de Nestório e dos distúrbios eclesiásticos que causou em Constantinopla, escreveu-lhe uma carta exortando-o a manter-se fiel ao ensinamento da Igreja desde sua fundação, sem introduzir nada de novo. Além disso, São Cirilo escreveu ao clero e ao povo de Constantinopla para que permanecessem firmes na fé ortodoxa e não temessem as perseguições de Nestório contra aqueles que discordavam dele. Ele também informou tudo ao Papa São Celestino de Roma, que, junto com todo o seu rebanho, ainda mantinha a ortodoxia. São Celestino escreveu a Nestório exortando-o a pregar a fé ortodoxa e não suas próprias ideias. Porém, Nestório se manteve inflexível e respondeu que o que pregava era a verdadeira ortodoxia, enquanto seus opositores seriam hereges. Diante disso, São Cirilo compôs doze anátemas, nos quais expôs em doze artigos as principais diferenças entre a doutrina ortodoxa e a de Nestório, declarando excomungado quem rejeitasse até mesmo um desses artigos. Nestório rejeitou inteiramente os anátemas de São Cirilo e escreveu sua própria exposição de doutrina em doze artigos, anatematizando aqueles que não os aceitassem. O perigo à pureza da fé crescia. São Cirilo escreveu então ao imperador Teodósio, à imperatriz Eudóxia e à irmã do imperador, Pulquéria, pedindo que ajudassem a conter a heresia. Decidiu-se convocar um Concílio Ecumênico, no qual os hierarcas, reunidos de diversas partes do mundo, decidiriam se o ensinamento de Nestório era ortodoxo. A cidade escolhida foi Éfeso, onde a Santíssima Virgem Maria havia vivido com o Apóstolo João, o Teólogo. Assim foi realizado o Terceiro Concílio Ecumênico. São Cirilo reuniu seus bispos no Egito e viajou de navio até Éfeso. Da Antioquia, João, arcebispo daquela cidade, seguiu por terra com outros bispos orientais. O Papa São Celestino não pôde comparecer pessoalmente e enviou dois bispos e o presbítero Filipe como seus representantes. Também chegaram a Éfeso Nestório e os bispos de Constantinopla, Palestina, Ásia Menor e Chipre. No dia 22 de junho de 431, os bispos reuniram-se na Igreja da Virgem Maria em Éfeso, sob a presidência de São Cirilo de Alexandria e São Memnon de Éfeso. No centro foi colocado o Evangelho, como sinal da direção invisível de Cristo sobre o Concílio. Primeiramente, leu-se o Credo Niceno-Constantinopolitano e, em seguida, a carta do imperador Teodósio. Depois, os documentos do Concílio foram lidos, incluindo as cartas de São Cirilo e São Celestino a Nestório, bem como suas respostas. O Concílio, por unanimidade, reconheceu a doutrina de Nestório como impiedosa e a condenou, privando-o de sua sé episcopal e do sacerdócio. Cerca de 160 participantes assinaram a decisão, representando, no total, mais de 200 bispos. Assim, o decreto do Concílio foi a voz de toda a Igreja, que proclamou que Cristo, nascido da Virgem, é verdadeiro Deus encarnado. Como Maria deu à luz um homem perfeito que era, ao mesmo tempo, Deus perfeito, ela deveria ser justamente chamada de Mãe de Deus. Ao término da sessão, a decisão foi anunciada ao povo. Toda a cidade de Éfeso celebrou com alegria a confirmação da veneração da Santíssima Virgem. Os fiéis saudaram os Padres do Concílio com tochas e incenso pelas ruas. A decisão foi publicada por toda a cidade. O Concílio teve mais cinco sessões nos meses seguintes, onde foram estabelecidas medidas contra os que espalhassem a doutrina de Nestório e rejeitassem os decretos do Concílio. Também se confirmou a independência da Igreja de Chipre em relação ao Patriarcado de Antioquia, afirmando que nenhum bispo deveria subjulgar regiões que anteriormente eram autônomas. Além disso, o Concílio condenou a heresia pelagiana, que ensinava que o homem poderia se salvar sem a graça de Deus. O Concílio também reafirmou que a fé da Igreja estava plenamente expressa no Credo Niceno-Constantinopolitano, proibindo qualquer alteração futura. Essa proibição foi violada séculos depois pelos cristãos ocidentais, que acrescentaram a cláusula “e do Filho” ao Credo. Essa alteração foi aceita oficialmente pelos papas romanos a partir do século XI, apesar de seus predecessores, incluindo São Celestino, terem aderido firmemente às decisões do Concílio de Éfeso. Dessa forma, a paz, rompida por Nestório, foi restaurada na Igreja. A verdadeira fé foi defendida, e os falsos ensinamentos foram condenados. O Concílio de Éfeso é justamente considerado ecumênico, ao lado dos Concílios de Niceia e Constantinopla, pois contou com representantes de toda a Igreja e teve suas decisões aceitas por todos os fiéis ortodoxos. O Concílio não criou uma nova doutrina, mas proclamou a verdade que já era professada desde os tempos apostólicos. Ele expressou com clareza a divindade de Cristo e a maternidade divina de Maria, estabelecendo de forma definitiva que quem não confessasse Cristo como Deus e, portanto, não reconhecesse Maria como Mãe de Deus, seria anatematizado.


COMO FAZER O SINAL DA CRUZ? Para fazer o sinal da cruz, devemos juntar os três primeiros dedos da mão direita (polegar, indicador e médio), enquanto os outros dois (anular e mínimo) são dobrados em direção à palma. Os três primeiros dedos simbolizam nossa fé na Santíssima Trindade: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Os dois dedos dobrados representam que o Filho de Deus desceu à Terra sendo Deus e se fez homem, demonstrando Suas duas naturezas: a divina e a humana. Ao iniciar o sinal da cruz, colocamos os três dedos juntos: Na testa, para santificar nossa mente; No peito/abdômen, para santificar nossos sentimentos interiores; No ombro direito e depois no esquerdo, para santificar nossas forças corporais. O sinal da cruz, na tradição bizantina, é, na realidade, a forma original dessa prática entre todos os cristãos dos tempos da Igreja Indivisa, tanto do Ocidente quanto do Oriente. Essa maneira antiquíssima de se persignar, que ainda se conserva no seio da Igreja Ortodoxa, expressa de maneira simples e lógica a doutrina trinitária. O cristão, ao levar os dedos da testa ao abdômen, diz "Em nome do Pai"; ao ir para o ombro direito, diz "e do Filho"; e ao ir para o ombro esquerdo, diz "e do Espírito Santo". Isso tem uma razão teológica: o Filho está sentado à direita do Pai. Por isso, entre os ortodoxos, o sinal da cruz é feito da direita para a esquerda, e não ao contrário, como é o costume entre os cristãos do Ocidente, sejam católicos, anglicanos ou protestantes. No entanto, em países de tradição ortodoxa, como a Romênia, o sinal da cruz é explicado da seguinte forma: Partindo da testa, dizemos: "Em nome do Pai"; Descendo ao abdômen: "e do Filho"; Chegando ao ombro direito: "e do Espírito Santo"; Finalizando no ombro esquerdo com: "Amém". Ao nos persignarmos, devemos fazê-lo repetindo mentalmente: "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém." Assim, demonstramos nossa fé na Santíssima Trindade e nosso desejo de viver e trabalhar para a glória de Deus. A palavra Amém significa "De verdade" ou "Assim seja". O sinal da cruz nos dá força para rejeitar e vencer o mal. Devemos fazê-lo corretamente, sem pressa, com respeito e consciência do significado desse ato. Devemos nos persignar: No início, durante e no fim de uma oração; Ao reverenciar os ícones; Ao entrar e sair da igreja; Ao beijar a Cruz; Em momentos difíceis da vida, tanto nas alegrias quanto nas tristezas, na dor e no sofrimento; Antes e depois das refeições. Enviado por Vladyka Panteleimon, Arcebispo da América latina do Santo Sínodo GOX de Avlona na Grécia.


*Pergunta:"Como nos aproximamos de Deus?"* Nos aproximamos de Deus através da vida de oração, dos santos mistérios da Igreja, da leitura das Escrituras e da prática das virtudes. A oração deve ser constante, tanto com orações estabelecidas pela Igreja quanto com orações espontâneas, clamando sempre: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador." A participação nos santos mistérios, especialmente a confissão e a comunhão, purifica a alma e nos une a Cristo. A leitura da Sagrada Escritura, especialmente dos Evangelhos, deve ser acompanhada da interpretação dos Santos Padres, para que compreendamos corretamente a vontade de Deus. Além disso, a prática das virtudes – como a humildade, o amor ao próximo e o arrependimento sincero – abre o coração para a graça Divina. O afastamento do pecado e a luta contra as paixões também são essenciais. Quanto mais nos afastamos das trevas do pecado, mais nos aproximamos da luz de Deus. Tudo isso deve ser feito com perseverança e com a orientação espiritual de um sacerdote, para que não nos percamos em nossos próprios entendimentos.

SOBRE A ORTODOXIA (EM POUCAS PALAVRAS) O que se entende por “Ortodoxia”? A palavra “Ortodoxia” tem origem grega, formada por “orthós” e “doxa”, significando doutrina correta, credo verdadeiro, universal, ou seja, um ensino em continuidade direta e ininterrupta com a Tradição Apostólica, por meio da teologia patrística e neopatrística, constituindo a fé comum das Igrejas indivisas do primeiro milênio. A Ortodoxia se identifica com a própria Tradição Apostólica, conforme confirmada, interpretada e desenvolvida pelo consenso da Igreja Universal. A didascalia (apostolorum), isto é, a norma da fé apostólica, foi o critério fundamental da Ortodoxia. Por isso, qualquer ruptura com a Tradição Apostólica é vista como uma corrupção ou abandono da Ortodoxia, manifestando-se como heresia ou como uma “confissão” separada. Onde se encontra exposta a doutrina da fé ortodoxa? De maneira breve e clara, a exposição da fé ortodoxa se encontra na Dogmática de São João Damasceno. Como a fé ortodoxa tem sido preservada com exatidão e sem alterações até os dias de hoje? A Santa e verdadeira Fé da Igreja de Cristo (Ortodoxia) foi mantida intacta ao longo dos séculos por meio das Santas Escrituras, da Sagrada Tradição Apostólica, dos decretos dos cinco Sínodos Apostólicos, dos cânones dos sete Concílios Ecumênicos e dos sínodos locais. Como disse São João Crisóstomo: “O leme da Igreja de Cristo são os divinos cânones.” O que é um Concílio Ecumênico e um sínodo local? Um Concílio Ecumênico é aquele que reúne patriarcas, metropolitas, bispos e outros líderes espirituais da Igreja em todo o mundo. Ele representa a instância suprema dos discernimentos eclesiais, pois nele todos os patriarcas e Bispos do mundo cristão se unem em um único credo de fé. Já um sínodo local é aquele em que participam apenas os Bispos de um país ou de uma região específica. Quais foram os meios que preservaram a unidade e a integridade da Ortodoxia? Diversos meios espirituais e administrativos têm assegurado a unidade da Ortodoxia, como: •A estruturação do culto bizantino (sécs. VI-VIII), com destaque para a Liturgia Bizantina, que consolidou a unidade espiritual e litúrgica da Ortodoxia. • A síntese dogmática de São João Damasceno (séc. VIII), crucial na crise iconoclasta. •A teologia do Patriarca Fócio (820-895), que, em sua encíclica de 867, acusou o Papa Nicolau I de heresia. •O Sínodo Local de 879-880, que restaurou Fócio e reconciliou-se com Roma sob o Papa João VIII. •A missão de São Cirilo e São Metódio entre os eslavos (séc. IX), expandindo a Ortodoxia para a Europa Central. •A resistência ortodoxa contra os Concílios unionistas de Lyon (1274) e Florença (1438), que visavam à submissão ao Papa de Roma. •O Sínodo de Constantinopla de 1459, que rejeitou a União de Florença. •O hesicasmo (séc. XIV), formulado por São Gregório Palamás, distinguindo a essência divina das energias Divinas não-criadas, conforme aprovado nos sínodos de Constantinopla (1341, 1347 e 1351). •A definição sacramental por São Simeão de Tessalônica (séc. XV). •A resposta do Patriarca Jeremias II (séc. XVI) aos teólogos luteranos de Tübingen, rejeitando a teologia protestante. •A “Confissão de Fé” do Patriarca de Alexandria, Mitrofano Kritopoulos (1625), explicando a Ortodoxia aos protestantes de Helmstadt. •A Declaração Ortodoxa do Metropolita Pedro Moguila (1633-1646), aprovada no Sínodo de Iasi (1642) e em Constantinopla (1643). •O Sínodo de Jerusalém de 1672, que rejeitou o calvinismo de Cirilo Lucaris. •Os sínodos locais do séc. XVII (Iasi 1642, Moscou 1667, Jerusalém 1672), que aprofundaram a teologia sacramental da Igreja. •A resistência contra a formação das Igrejas Uniatas (greco-católicas) em Brest (1596), Úzhgorod (1649), Mucacevo (1664) e Transilvânia (1701), que impuseram a união com Roma. •O Sínodo dos Patriarcas Orientais de 1755, que declarou invalido o batismo latino e armênio, exigindo um novo batismo para convertidos ao Ortodoxismo. •A publicação da Filocalia (1782), organizada por São Nicodemos Agiorita e Macário de Corinto, preservando a espiritualidade ortodoxa. •A tradução da Filocalia para o eslavo por Paisios Velichkovsky (1793), protegendo a Ortodoxia russa da latinização. • A Encíclica dos Patriarcas Orientais de 1848, que condenou o papismo como heresia. • A resposta do Patriarca Antimo (1894) ao Papa Leão XIII, rejeitando a Imaculada Conceição e a infalibilidade papal. Além desses eventos históricos, outros fatores também garantiram a preservação da Ortodoxia, como: Escolas teológicas universitárias e seminários; Sínodos locais e nacionais; Assembleias diocesanas e conselhos paroquiais; Pregações sacerdotais em cidades e aldeias; Associações missionárias; Vida monástica canônica; Educação cristã ortodoxa nas famílias. Esses foram, resumidamente, os meios espirituais pelos quais a Ortodoxia tem sido preservada até os dias de hoje. Enviado por Vladyka Panteleimon, Arcebispo da América latina do Santo Sínodo GOX de Avlona na Grécia.


Meditação Arquiepiscopal Os Santos Padres designaram o segundo domingo do Triódion para ser dedicado à impressionante e instrutiva parábola do Filho Pródigo (Lc 15, 13-32). O propósito era enfatizar para os fiéis o amor insondável de Deus pela humanidade e a abundante misericórdia do perdão que Ele concede aos arrependidos. Ensinar àqueles que estão desesperados que Deus permanece de braços abertos para acolher qualquer pecador penitente, independentemente da gravidade de seus pecados. Se o domingo anterior, do Publicano e do Fariseu, é dedicado à denúncia da autossuficiência egoísta e patológica e à demonstração de suas consequências nefastas, o segundo domingo é dedicado à humildade, ao arrependimento e às suas benditas consequências. Se o maldito egoísmo fecha hermeticamente a porta da salvação, o arrependimento a abre completamente e reconcilia o homem com Deus. Alguns afirmam com razão que, mesmo se todo o Evangelho fosse perdido e restasse apenas essa parábola, ela ainda poderia ser um texto de esperança e salvação para a humanidade. Em nenhuma religião do mundo Deus é apresentado de maneira tão compassiva, como um Pai amoroso. Em vez disso, adoram "deuses" estranhos e cruéis que odeiam os humanos. Na antiga tradição religiosa grega, os "deuses" eram invejosos e odiavam mortalmente os seres humanos. Por isso, as pessoas se viam obrigadas a oferecer constantemente sacrifícios e realizar rituais para apaziguá-los. Os antigos chegavam até mesmo a realizar sacrifícios humanos para tentar acalmar os maus espíritos e evitar o castigo injusto de seus falsos deuses. Mas os judeus também não tinham uma compreensão muito melhor de Deus. Distantes da pregação dos profetas, imaginaram Deus como um juiz aterrorizante e distante, que existia apenas para espiar e punir as pessoas, mesmo quando Deus lhes explicou: “Assim como os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (Isaías 55:9). Ele os advertiu, por meio dos santos profetas, de que tinham uma visão completamente equivocada d'Ele. O Verbo de Deus encarnado, nosso Senhor Jesus Cristo, que trouxe a verdade e a luz ao mundo — pois “a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1,18) — também revelou aos homens a verdadeira relação de Deus com suas criaturas. Ao revelar o verdadeiro Deus Trino (1 Jo 2,23), revelou também o Seu modo de existir, pois “Deus é amor” (1 Jo 4,16), o que significa que o modo de existência das Pessoas Divinas é o amor. O amor de Deus se estende a todas as Suas criaturas. Sua atitude para com elas é igualmente amorosa e se manifesta como energia incriada. O principal destinatário do amor de Deus é o homem, Sua criação suprema, feita à Sua imagem e semelhança (Gn 1,26). Deus ama o homem, mas ao mesmo tempo respeita plenamente sua liberdade e suas escolhas, pois esta é uma característica essencial da personalidade humana. Ele sofre em Seu íntimo por nossa apostasia, mas espera pacientemente pelo nosso retorno. Uma vez que isso ocorre, Ele apaga instantaneamente todas as nossas transgressões e nos restaura à nossa antiga posição. Arrependimento significa, literalmente, conversão, uma mudança de mentalidade. Essencialmente, é a transformação ontológica do homem, que passa do estado de autossuficiência egoísta para a consciência de sua pecaminosidade. É o movimento em direção a um espírito de humildade e contrição diante do Deus absolutamente bom, cuja luz revela plenamente a escuridão de nosso ser. Compreender nossa condição caída, nossa dolorosa experiência de afastamento da graça de Deus, é o primeiro passo para nossa restauração ontológica. Em seguida, vem a implementação de nossa grande decisão de mudar nossa mentalidade e corrigir nosso caminho em direção a Deus. O arrependimento exige um heroísmo especial e um espírito de luta, como se reflete maravilhosamente na passagem evangélica do Filho Pródigo. Assim como todos os bens espirituais, a nossa salvação é fruto de heroísmo, abnegação incondicional e intensa batalha espiritual. O diabo, nosso adversário, nos ataca “como um leão que ruge” (1 Pe 5,8), combate-nos furiosamente e não nos permite “cair em si”. Ele coloca inúmeros obstáculos em nosso caminho para erradicar qualquer desejo de arrependimento. O pior e mais eficaz desses obstáculos é o desespero. O diabo insere pensamentos pessimistas na mente do pecador, fazendo-o acreditar que Deus o odeia e não o perdoará por sua pecaminosidade, mantendo-o assim preso ao pecado e ao mal. Entretanto, o pecador deve, antes de tudo, lembrar que Deus nunca deixou de amá-lo e espera ansiosamente pelo seu retorno. Ele deve fundamentar suas esperanças na infinita misericórdia divina, que é capaz de apagar até mesmo a maior das dores. O Senhor nos assegurou que “há alegria no céu por um pecador que se arrepende” (Lc 15:7), o que significa que nosso amado Deus e Pai, junto com todo o mundo espiritual celestial, aguardam ansiosamente o nosso arrependimento para que possam celebrar! Os arrependidos são também chamados de “bem-aventurados, cujas iniquidades são perdoadas e cujos pecados são apagados”. “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa pecado” (Sl 31, 1-2). O arrependimento é tão importante para o pecador que o diabo faz de tudo para impedi-lo! Um maravilhoso troparion do dia expressa perfeitamente o alto significado da parábola do Filho Pródigo: "Tendo desperdiçado a riqueza do dom do Pai, juntei-me aos rebanhos de animais e com eles, faminto de pão, encontrava-me em necessidade e não me saciava; mas voltando-me para o Pai misericordioso, clamei com lágrimas: recebe-me como um servo, pois caio sobre Tua misericórdia, e salva-me!" Cada um de nós também é um pródigo aos olhos de Deus, pois desperdiçamos, assim como o filho da parábola, a riqueza espiritual que nos foi dada pelo Pai celestial. Longe d’Ele, nos rebaixamos à condição de animais. Abandonamos o alimento espiritual da mesa real e nos alimentamos das sobras sujas e malcheirosas do mundo, sem sequer conseguirmos nos saciar. Um exemplo claro dessa perversão é a forma como alguns de nossos contemporâneos "celebram" o Domingo do Filho Pródigo. Eles celebram a promiscuidade e se orgulham de seus pecados, ao invés de celebrar o arrependimento, como a Igreja ensina! Vão a tavernas e outros locais de diversão para honrar o Filho Pródigo por sua devassidão, e não por seu retorno ao Pai. Um absurdo completo e uma escravidão ao pecado! Mas a Santa Igreja, neste tempo abençoado, nos convida a “cair em nós mesmos”. A reconhecer nossa terrível condição e interromper o caminho descendente da perdição. A refletir sobre nossa dignidade real, pois somos filhos do Deus supremo e herdeiros de Seu Reino. A compreender que nosso Pai Celestial é amoroso e espera nossa chegada para correr ao nosso encontro. Ele removerá as vestes imundas do pecado e da corrupção e nos revestirá com a glória espiritual. Ele nos colocará em Suas mãos o anel da vida eterna. Ele preparará para nós um banquete celestial, para que todos juntos possamos celebrar o nosso retorno à casa do Pai — pois estávamos mortos e voltamos à vida, estávamos perdidos e fomos encontrados! O que significa “andar na verdade” (3 João 1:3-4)? Significa aceitar a verdade em nosso coração e agir, em pensamentos e sentimentos, de acordo com ela. Quem aceita a verdade de que Deus está em toda parte e tudo vê, e age como se Deus estivesse sempre diante dele, anda na verdade. Quem aceita que sem Deus nada pode fazer com sucesso, e por isso recorre a Ele em oração, anda na verdade. Quem aceita que a morte pode vir a qualquer momento e que logo após virá o Juízo, e por isso vive com temor de Deus, anda na verdade. E assim também em relação a qualquer outra verdade. Por S.E.R.Vladyka Panteleimon, Arcebispo da América latina do Santo Sínodo GOX de Avlona na Grécia.


A VIDA DE SÃO ISAAC, O RECLUSO DAS CAVERNAS É impossível para uma pessoa evitar as tentações. Se o tentador ousou aproximar-se do próprio Senhor no deserto (Mt 4:3), então, muito mais se atreverá a tentar o servo do Senhor. Mas, assim como o ouro, purificado pelo fogo, brilha diante dos homens como o sol, também o homem, tentado pelas desgraças do inimigo e entregue ao fogo eterno, será iluminado diante de Deus por suas boas obras, como a luz do dia. Essa verdade foi claramente expressa em nosso venerável pai Isaac, o recluso das Cavernas. Este venerável pai era, no mundo, um rico comerciante de Toropetsk. Decidindo tornar-se monge, distribuiu todos os seus bens entre os necessitados e os mosteiros, dirigiu-se à caverna onde estava o monge Antônio e pediu-lhe que o aceitasse como monge. O venerável Antônio, prevendo que esse homem se esforçaria nas virtudes como os anjos e se tornaria semelhante a eles, atendeu ao seu desejo. Tornando-se monge, São Isaac passou a amar a vida austera: não apenas vestiu um cilício, mas também ordenou que se comprasse uma cabra e se retirasse sua pele. Com essa pele ainda crua e úmida, fez uma veste e a usou sobre o cilício, de modo que a pele secou em seu corpo. Depois disso, Isaac se fechou em uma caverna estreita, com apenas quatro côvados de tamanho, e ali orava a Deus com lágrimas. Seu único alimento era a prósfora, e mesmo assim a comia apenas a cada dois dias. Matava sua sede com água, e apenas em pequenas quantidades. O monge Antônio lhe trazia comida e bebida e lhe passava por uma janela tão estreita que apenas uma mão cabia. Além disso, São Isaac nunca se deitava para dormir, mas, sentado, fortalecia-se com um breve repouso. Assim, em meio a grandes esforços, passou sete anos sem sair de sua cela estreita. Certa noite, ao anoitecer, ajoelhou-se, como de costume, e cantou salmos até a meia-noite. Quando se cansou, apagou a vela e sentou-se em seu lugar. De repente, a caverna se iluminou com uma grande luz, brilhante como o sol, e dois demônios, em forma de belos jovens, aproximaram-se do monge; seus rostos brilhavam como o sol. Disseram ao santo: — São Isaac! Somos anjos, e eis que Cristo vem a vós com os poderes celestes. Levantando-se, Isaac viu uma multidão de demônios; seus rostos brilhavam como o sol, e um deles resplandecia mais que todos, emanando raios de seu rosto. Então os demônios disseram a Isaac: — São Isaac! Eis aqui Cristo; prostrai-vos diante d'Ele e adorai-O. Sem compreender o engano demoníaco e esquecendo-se de se marcar com o sinal da cruz, o monge inclinou-se diante daquele demônio, acreditando ser Cristo. Imediatamente, os demônios deram um grande grito, proclamando: — Isaac, agora és nosso! E, sentando-o, sentaram-se ao seu redor; toda a cela e a rua ao redor da caverna encheram-se de demônios. Então, um dos demônios, o falso Cristo, disse: — Tomai as flautas, as cítaras e os pandeiros e tocai-os, para que Isaac dance diante de nós. Imediatamente, os demônios começaram a tocar flautas, pandeiros e harpas; agarraram Isaac e começaram a pular e dançar com ele por um longo tempo. Depois de exauri-lo e deixá-lo quase sem vida, zombaram dele e desapareceram. No dia seguinte, quando chegou a hora em que Isaac costumava comer, o monge Antônio aproximou-se da janela e disse: — Abençoai-me, Padre Isaac. Não houve resposta. Antônio ficou surpreso e perguntou-se se São Isaac havia falecido. Então mandou chamar São Teodósio e os demais irmãos. Quando os irmãos chegaram, cavaram a caverna e retiraram Isaac, pensando que estivesse morto, e o colocaram diante da caverna. Mas perceberam que Isaac ainda estava vivo. Então, o abade, o venerável Teodósio, disse: — Em verdade, o que aconteceu com ele é obra do diabo. Isaac foi então colocado em uma cama, e o próprio São Antônio cuidou dele. Naquele tempo, o príncipe de Kiev, Iziaslav, retornava da Polônia e começou a se irritar com o monge Antônio por causa do príncipe Vseslav de Polotsk, que havia tomado o trono de Kiev durante a vida do monge. Então, o príncipe Sviatoslav de Chernigov enviou uma carta à noite, chamando São Antônio para Chernigov. Chegando lá, Antônio escolheu um lugar chamado Monte Boldynskaya e cavou uma caverna, onde se estabeleceu e onde hoje há um mosteiro. Ao saber da partida de São Antônio, o venerável abade Teodósio levou Isaac para sua cela e cuidou dele. No entanto, Isaac estava tão debilitado mental e fisicamente que não conseguia sentar, nem ficar de pé, nem mesmo se virar, mas apenas deitava-se de lado, de modo que frequentemente os vermes surgiam sob ele. O próprio São Teodósio o lavava e endireitava com suas próprias mãos, servindo-o assim por dois anos inteiros. O mais surpreendente é que, durante dois anos, Isaac não comeu pão, nem bebeu água, nem comeu verduras ou qualquer outro alimento, mas permaneceu vivo, deitado, mudo e surdo. O monge Teodósio orou por ele dia e noite, até que, no terceiro ano, Isaac começou a falar. Ele pediu para ficar de pé e começou a andar como uma criança. No entanto, não queria ir à igreja, e os irmãos tiveram que levá-lo à força. Depois disso, começou a frequentar as refeições, mas não tocava no pão. Com o tempo, aprendeu novamente a comer. Assim, São Teodósio o libertou das ciladas e tentações do demônio. Após a morte de São Teodósio, e sob o governo do beato Estêvão, Isaac voltou a levar uma vida austera. Ele dizia ao tentador: — Tu me enganaste, diabo, quando estava sozinho na caverna, mas agora não me trancarei mais; pelo contrário, com a ajuda de Deus, tentarei vencer-te, trabalhando no mosteiro. Isaac voltou a vestir o cilício e começou a ajudar na cozinha e nos serviços do mosteiro. Durante o inverno, permanecia imóvel na igreja, mesmo em temperaturas congelantes. Certa vez, um monge zombeteiramente desafiou-o a pegar um corvo. Isaac inclinou-se, aproximou-se e pegou o corvo, surpreendendo a todos. Desde então, os irmãos passaram a respeitá-lo ainda mais. No fim da vida, enfrentou e derrotou os demônios definitivamente. Após anos de penitência e batalha espiritual, faleceu em 1388. Foi enterrado com honra entre os outros santos padres na caverna. Que, por suas santas orações, também nós vençamos os inimigos de nossas almas e sejamos dignos de reinar com Cristo, o Rei da Glória, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém. Enviado por S.E.R.Vladyka Panteleimon, Arcebispo da América latina do Santo Sínodo GOX de Avlona na Grécia.
